quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Natal 2023

Publicado na Tribuna Livre de A Tribuna, em 20/12/2023

 

                   Manjedouras no coração

                                                                              

 Em recente e alegre confraternização natalina, um amigo, poeta dos mais inspirados, construiu, com palavras, imagem linda e cheia de simbolismos ao exortar os presentes a armarem manjedouras em seus corações. Nelas, repousaria a Criança que veio trazer ao mundo – já então cruel e conturbado – mensagem de amor e paz.

            Só que, em segundos, minha mente transportou-me para outro cenário, sem amor, sem harmonia, repleto de tragédia e violência. Já não era mais o lindo Menino a irradiar sua luz em nossos corações, mas sim bebês e crianças sendo covardemente assassinados, em atos cruéis “justificados” pelas guerras, em clima de ódio e trevas.

            Foram apenas instantes, e logo eu estava de volta ao ambiente de alegria e amizade, reforçado pelos votos de saúde, paz e felicidade transmitidos pelos presentes. Enfim, uma confraternização de Natal como deve ser, com declarações sinceras de amizade e firmes propósitos de assim continuar durante o Ano que está chegando.

            Voltei para casa feliz, mas aqueles segundos em que, de certa forma, vivenciei o horror e a maldade do ser humano, continuaram a me assombrar. E como uma coisa puxa a outra e a mídia não dá “refresco”, foi inevitável assistir, em pensamento, às sucessivas cenas de sofrimento de crianças.

            Filhos de todas as idades, de bebês a adolescentes, torturados e assassinados por seus pais e padrastos; recém-nascidos jogados fora como lixo por suas mães; adultos irresponsáveis colocando filhos no mundo sem a mínima condição de criá-los e orientá-los.

            Médicos esquecendo-se de seu juramento e nobre missão e negando atendimento a crianças; motoristas embriagados estraçalhando-as em acidentes nas ruas e estradas; incêndios criminosos e desastres naturais tirando-lhes a vida ou deixando-as sem o pouco que tinham; governantes preocupados em manter o poder e enriquecer com a corrupção, esquecendo-se de obras que poderiam amenizar ou impedir as tragédias.  

            Mais de dois mil anos depois, a imagem da Criança na manjedoura está se desvanecendo? Todo o sofrimento causado pelo homem não vai gerar sede de vingança por muitas gerações? Parece que não evoluímos e pouco melhoramos nesse tempo.

            Mas, então, recebi uma visita. Estava com a família um garoto de uns 13 anos, simples, simpático, um pouco tímido. Enquanto os adultos conversavam, ele observava a casa. Deteve-se na decoração de Natal, especialmente no Menino deitado nas palhas da manjedoura. Aproximei-me e perguntei se tinha gostado.

            Resposta afirmativa seguida de uma observação que evidenciava o conhecimento da história do Ocupante da manjedoura: “Se não fosse Ele, eu não gostaria tanto de minha família, dos meus amigos e do meu cachorro!” Surpresa, perguntei: “Por que?” Resposta rápida, com ar condescendente: “Não foi Ele que ensinou a amar?”

            As luzes da Árvore se acenderam e eu compreendi: podem se passar séculos, milênios, a eternidade. Sempre existirá a maldade, mas o amor sobreviverá. Nas palhas dos presépios armados em igrejas e casas ou nas manjedouras em nossos corações, o Menino e sua mensagem de amor serão o antídoto para o lado negro do ser humano.

             

              

 

domingo, 10 de setembro de 2023

João Vitor - 12 anos

 

                      Tênis “da hora”

 

Há alguns anos, nesta época, nós procurávamos jogos de montar, quebra-cabeças, cartas de Pokémon e carrinhos que fizessem seus olhos brilhar ao abrir os papeis coloridos que os embrulhavam. Antes, ainda, buscávamos brinquedos muito coloridos e cheios de movimentos que fizessem você esticar suas impacientes mãozinhas de bebê para pegá-los e brincar com eles.

Ao se aproximar a data de seu aniversário, havia confabulações em família sobre o que lhe dar de presente, que fizesse você feliz. Não se passaram tantos anos assim, e, agora, você prefere um tênis “da hora” de presente de aniversário. E, aos 12 anos, já exímio na web, até manda link para a vovó com sugestão do que você gostaria de ganhar. Meu netinho João Vitor não é mais um lindo bebê nem um menino esperto e inteligente. As qualidades continuam as mesmas, mas a adolescência se aproxima.

Na escola, aumentaram as responsabilidades quanto a horários, livros e material didático. Você já se adaptou às obrigações escolares e a um número maior de professores, para as várias matérias do currículo. É uma nova fase, onde as festas de aniversário da turma transferiram-se dos bufês com animadores, docinhos e músicas infantis, para quadras esportivas, onde a agitação pode ser exteriorizada à vontade.

Um dia, seu irmão reclamou: “Você não gosta de coisas de criança!” E você, na hora: “Claro, Tite, eu gosto de coisas de pré-adolescente!” Você vive essa fase de pré-adolescência, mas não muda sua personalidade amorosa e emotiva. A família continua sendo sua base, seu esteio. Papai e mamãe, além de companheiros, são os guias do caminho, orientando, cobrando e oferecendo muito amor. Seu irmão Luiz Felipe permanece o companheiro de “brigas” e brincadeiras, uma união que vai acompanhá-los pela vida. E seus avós continuam amando profundamente você e Tite, vibrando a cada conquista, a cada novo degrau alcançado.

Por ser o mais velho, muitas vezes você age de maneira protetora com seu irmão, tanto que nas fotos está sempre com o braço por cima dos ombros do Tite. Em sua casa, quando a vovó Ana foi ficar com vocês, demonstrou responsabilidade, ajudando a arrumar a mesa para o café da manhã e indo buscar as coisas nas gavetas e armários. E até fez o prato do Tite! Na rua, caminhando, tem preocupação em não deixá-lo se afastar muito. Coisas de irmão mais velho!... 

Quando, em família, você passa a ser objeto da conversa, fica encabulado: um dia, vovô Paulo provocou, perguntando das namoradas, e você ficou sem jeito. Mas a mamãe denunciou: “Ih, ficou vermelho!” E como seu lado criança ainda prevalece, não tem uma refeição em que você, sentado ao lado do vovô Paulo, não o provoque com risos e cutucadas.

  Mas você também gosta de proteção, atenção, dengo e carinho. É brincalhão, como quando, no aniversário da vovó Ana, perguntou: “De quem é o primeiro pedaço de bolo?” E disfarçou, apontando para si mesmo. Mas as fatias de bolo chegaram a tempo para todos... E como aniversário é sempre um assunto muito importante e como as crônicas da vovó são criadas a cada aniversário dos netos, não conseguiu conter a curiosidade e, quatro meses antes, perguntou se eu já estava fazendo a sua. Diante da resposta afirmativa, queria que eu contasse alguma passagem interessante da crônica...

Você continua gostando de chocolate e se alimenta bem. Quando vai almoçar na casa da vovó Janne, o pedido é infalível: “Vovó, faz bolinho de alho-poró?”  Mas tem vários outros pratos preferidos, que ela faz com o maior prazer para você e Tite, incluindo a feijoada light. Telas e tintas não faltam na casa da vovó Janne e do vovô Santi, para vocês exercerem a criatividade estimulados por eles, autores de vários quadros.

Pokémon, games, jogos no computador – como corridas de carros muitas vezes disputadas com Tite – e maquetes e construções – vovô Santi continua muito requisitado nestes dois últimos itens – fazem parte de seu lazer. É capaz de ficar muito tempo assistindo ao programa de TV que, para mim, mais parece um jogo, em que blocos coloridos são sobrepostos para formar casas e prédios.

Certa noite, em que vovó Ana estava com você e Tite em sua casa, esperando os papais chegarem, esse programa de TV servia para distraí-los, mas o sono era grande. Você não resistiu e foi se deitar, mas “com luz forte no abajur, para esperar acordado e dar beijo na mamãe e papai”. Quando vi, estava dormindo, virado para o outro lado. E Tite, outro fã do programa, declarou, já meio dormindo: “Vou esperar por eles na cama.” E, claro, em cinco minutos estava dormindo, em baixo do edredom.

O futebol tem espaço importante em sua vida, João Vitor. Levados pela mamãe, você e seu irmão frequentam, com muita animação, a escola de futebol onde desenvolvem jogadas e aprendem a teoria desse esporte.  No início das aulas, vocês jogavam com tênis. Era época de Páscoa e você não teve dúvidas ao pedir o presente para as vovós: “Prefiro chuteira em vez de ovo de chocolate.” Claro que os dois ganharam chuteiras, e ainda estrearam o presente antes da data. Mas no dia de Páscoa ficaram felizes porque também ganharam chocolate. Outro esporte que encanta você e tem espaço importante em sua vida é o basquete. Você se dedica aos treinos na escola, já no fim do dia, e vai animado, mesmo um pouco cansado das atividades do cotidiano.

Certa vez, indo embora da casa da vovó Ana, na hora do abraço, Tite provocou: “Vovó, você ainda consegue me levantar?” Consegui um pouquinho, reclamei que ele estava ficando pesado, e você, João, veio fazer graça, sabendo que eu não consigo mais levantá-lo: me abraçou pela cintura e disse que ia me levantar. Como tem muita força, precisei me segurar em um móvel para você não conseguir tirar meus pés do chão. Aí o vovô Paulo reclamou: “Cuidado com a vovó! O basquete está fazendo bem para você, João, seus ombros estão fortes, se expandiram.” E você, apesar de meio sem jeito, ficou todo orgulhoso.

Interessante é observar muitas de suas reações, já não tão infantis. Vovó Ana e vovô Paulo estavam no shopping e a mamãe avisou que você ia lá, junto com a turma do bilíngue da escola, para fazer um lanche e treinar o inglês. Era dia de só falar inglês. Esperamos na lanchonete e surpreendemos você quando chegou com os amigos. A primeira coisa que você disse, parecendo gente grande, foi: “Mas o que é que vocês estão fazendo aqui?!”  E só se deu por satisfeito após nossas explicações!

Ao mesmo tempo, tem reações da criança que você ainda é: quando quer alguma coisa não dá sossego. Ultimamente, descobriu o prazer de colecionar moedas antigas. Papai tem várias, mas vovô Paulo tem um saquinho dessas moedas. E, ingenuamente, foi mostrá-las para você, explicando que ia levá-las para o papai e a mamãe, que depois iriam dividi-las entre você e Tite. Vocês estavam passando uns dias na casa do vovô Paulo, e não teve acordo: a todo momento você pedia para ver as moedas. Até que vovô deu algumas para você e seu irmão. Só assim você sossegou um pouco.

Em uma noite de abril, 5 horas da manhã, em sua casa, acordou a mamãe resmungando e choramingando: “Meu dente está pendurado e não consigo puxar!” Depois de se acalmar do susto, mamãe levou você ao banheiro e, com luz clara acesa, conseguiu puxar o pré-molar, deixando um belo espaço na gengiva, além de um pouquinho de sangue. Foi difícil evitar alguns minutos de choro, mas, como você mesmo diz que está na pré-adolescência, logo estava bem e passou a exibir o “buraco” com orgulho.

Suas expressões artísticas são marcantes, tanto na pintura e desenho, como na música. No fim do ano, na apresentação da escola de música, no Teatro Guarany, tocou guitarra muito bem, com uma postura de músico acostumado a grandes plateias. Foi muito aplaudido e fez dueto com o Tite na bateria. Um sucesso!

E na exposição de telas da aula de Artes da escola, no foyer do Teatro Municipal, mais uma vez tinha um ar encabulado e orgulhoso com os muitos elogios recebidos por seus quadros. Muita gente chegou a confundi-los com os dos professores! Você agradecia os cumprimentos com um sorriso, mas logo olhava para papai e mamãe, buscando a aprovação dos dois. Que foi o melhor elogio que você poderia receber.

Aí está, João Vitor, meu amado netinho – ainda posso chamá-lo de netinho? – um pouco de sua vida, seus amores, preferências e atividades. É você já em busca de outros caminhos, mas ainda, e felizmente, mantendo seu profundo vínculo com a infância. Esta vovó Ana continua pedindo a proteção divina para seu caminhar. Que, tenho certeza, será sempre iluminado, tanto nas batalhas como nas vitórias, repleto do amor que guia seu coração!  

 

 

 

 

 

 

 

 

Incêndio na Vila Gilda

 

                    O menino em preto-e-branco

            Publicada em 09/09/2023, na "Tribuna Livre"  do jornal "A Tribuna"


Foi a foto de um amigo, publicada no Instagram, que me escancarou a dimensão da tragédia. E não por mostrar os restos queimados das palafitas, o buraco ainda fumegante, que se adivinhava negro e pegajoso por baixo dos escombros, ou pela sensível escolha do fotógrafo ao produzir a foto em preto-e-branco. O impacto foi mesmo a figura do menino de costas para a câmera, uns 8 ou 9 anos, usando short estampado e uma camiseta onde se lia “Ronaldo”. De pé, parado, olhava para o triste cenário e dava para imaginar o que se passava naquela cabecinha.

         Quantas perguntas sem resposta, a começar por “e agora?” Possivelmente muitas outras se sucediam, como “o que vou comer, vestir, ainda terei escola para ir, onde vou morar com minha família, onde vou conseguir outra bola para jogar com meus amigos?” E talvez a pior: “Será que meu cachorro se salvou?”

         Perguntas simples que aquela criança se fazia, mas que traduziam o profundo sofrimento de inúmeras outros meninos e meninas, e suas famílias, moradores das palafitas da Vila Gilda. Talvez porque a Proteção Divina estivesse atenta naquela madrugada, nenhuma vida humana se perdeu. Mas o grande incêndio matou vários animais de estimação, deixando os corações ainda mais feridos.

         Claro que a generosidade e solidariedade de nosso povo logo começou a se manifestar, em doações de tudo o que precisam aquelas pessoas repentinamente sem teto e sem chão. Sofrimento amenizado! Poderes Públicos em vários níveis se mobilizaram para conseguir abrigo temporário e prometem moradias dignas para os desabrigados (por favor, vamos esquecer o nome “Parque Palafitas”, a lembrança de pessoas morando precária, perigosa e doentiamente em casebres de madeira em cima do mangue é insuportável!).

         E aí voltamos ao menino da foto. Acreditando, com otimismo, que todos os bons projetos se concretizem, ele vai, com o tempo, esquecer esse doloroso dia do incêndio e voltar à sua vida de criança. Continuará sonhando em ser um Ronaldo no futebol. Continuará aprendendo o que os professores conseguirem lhe ensinar e já será um vitorioso se terminar o período escolar sabendo contar, escrever e ler (embora, neste último item, seja provável que não entenda muito bem o que está lendo).

         Que pena, menino! Sua atitude de quietude na contemplação da tragédia revelou emoção e sensibilidade. Qualidades essenciais para se transformar em um adulto íntegro, com clareza para compreender a vida. Mas seria preciso que essa vida lhe desse mais oportunidades. Ou melhor, que os seres humanos que têm o poder de manipular os cordões da existência compreendessem que tudo pelo que lutam – poder, dinheiro, política – não valem absolutamente nada diante da miséria, crime, guerra, doença e retrocesso humano.

         Quando entendermos que progresso sem compaixão é “um tiro no pé”; que Inteligência Artificial é o “futuro da humanidade” mas só se continuarmos valorizando a emoção e a sensibilidade, aí o menino da foto poderá ter melhores oportunidades, progredir sem cancelar o coração e se transformar em um homem que ajudará a construir a história humana.

        

          

sexta-feira, 28 de abril de 2023

Luiz Felipe - 9 anos

 

                   O transformador de ambientes

 

Todos procurando no apartamento do hotel a lente de contato que a vovó Ana havia perdido. A família viu como a vovó estava aborrecida e decidiu ir procurar o objeto gelatinoso, mínimo e transparente. Estavam mamãe, João, papai e Tite esquadrinhando o apartamento, quando de repente Tite para e pergunta: “Mas, afinal, o que é que eu estou procurando?” Após a explicação sobre o que é uma lente de contato e muitas risadas depois, a busca infrutífera terminou. E até o bom humor da vovó voltou!

 Esse é um dos seus dons, Luiz Felipe, o nosso Tite, que completa (já!!!) 9 anos. Você consegue, com sua espontaneidade e curiosidade, trazer alegria a um ambiente e melhorar o humor das pessoas. É rápido na corrida (adora correr e pular) e é rápido também no raciocínio. Passeando de carro, com vovô Paulo no volante, observava os prédios e mostrou um deles para o vovô: “Quando eu crescer vou morar ali.”  Vovô perguntou se você gostava muito do prédio, e você respondeu do alto de sua ingenuidade: “É porque é pertinho da minha escola, e meus filhos vão estudar lá!...”

Adora conversar e fala sobre qualquer assunto, mesmo que não conheça muito bem. Aplica o que capta das conversas com adultos e amigos à sua própria realidade e a seus sonhos. Atento a tudo o que se conversa a seu redor, tinha ouvido vovós Janne e Santiago conversarem sobre como é importante ter um lavabo no apartamento. Ao passar em frente a outro prédio, comentou: “João gosta desse, mas eu prefiro o outro, perto da escola. Mas tem que ter lavabo. Se não tiver, eu escolho uma parede que não tenha nada atrás (querendo dizer sem encanamentos, fios, pilastras etc.), chamo um empreiteiro, abro uma porta, coloco piso e tudo aquilo que tem que ter dentro, e pronto: já tenho um lavabo!”

Gosta de atenção e há alguns meses costumava falar alto e muito sério, com a família reunida à mesa, conversando e rindo: “Posso falar uma coisa?” Claro que conseguia o silêncio e a atenção de todos para o que tinha que falar, quase sempre uma brincadeira ou uma história divertida, fruto de sua fértil imaginação.

Há um ano, no oitavo aniversário, comemorado junto com a amiguinha Carol, correu e se divertiu muito com ela e as outras crianças. Como tem uma fantasia de Michael Jackson, de que gosta muito, fez questão de vesti-la na hora do Parabéns a Você, entrando de vez no clima, cujo tema eram as bandas de rock. E as poses que fazia para as fotografias, imitando o cantor, eram imperdíveis!

Durante um Quiz na TV, dirigido a crianças e jovens, Tite e João, atentos, vão respondendo às perguntas, com as respostas quase sempre coincidindo. Uma das perguntas era: você prefere morar em lugar tranquilo ou agitado? Os dois respondem “tranquilo” e eu e vovô Paulo nos entreolhamos admirados. Mas logo depois vem outra pergunta: você prefere uma moto BMW ou uma Harley Davidson? As respostas diferem. João prefere uma BMW, mas Tite, uma Harley Davidson. E logo se explica: “Faz mais barulho!”

E o Quiz se encerra: você prefere passar uma tarde no parque ou em uma festa? Respostas coincidem: “No parque”. Mas logo em seguida, com aquela expressão marota e divertida, você, Tite, pondera: “Se bem que, se for uma festa de aniversário...”

A paixão atual é o futebol. Junto com João, pratica o esporte e também aprende a teoria na escola de futebol onde vão duas vezes por semana, levados pela mamãe. No tablet, nos horários que mamãe e papai permitem, gosta de procurar novos jogos e de se divertir com os que já conhece. Reage rindo quando acerta e meio bravo quando erra. Aliás, ficar bravo quando as coisas não acontecem como gostaria, é característico em sua personalidade, Tite. E também é característico estar rindo logo em seguida, totalmente esquecido da contrariedade.

 Vovô Santi continua tendo sempre uma “tarefa” quando você vai na casa dele: desenhar Monster Trucks e casas, para depois você colorir. E ele também ajuda você a construir as maquetes baseadas nesses desenhos, quando sua criatividade flui livremente. Com orientação da vovó Janne, pinta algumas telas, nunca se desviando dos seus temas e cores favoritos, como os Monster Trucks e o vermelho e preto. Aliás, está cada vez mais difícil arrumar espaço nas paredes da casa dos vovós Janne e Santi para colocar as suas e as telas do João Vitor.

A música está sempre muito presente em sua vida. Você está cada vez melhor na bateria, e até já faz dupla com João na guitarra. Na apresentação de fim de ano, da escola de música, a dupla foi muito aplaudida. A bateria quase não deixava a plateia ver você, mas suas mãos e braços moviam-se com agilidade, em um ritmo impecável e sem qualquer inibição.

Você cresceu e agora já se concentra mais nos estudos, sob a supervisão da mamãe. Tem tirado notas altas, inclusive em matérias de que você não gosta muito. Matemática é uma delas e o “10” que você ganhou nas últimas provas faz você sorrir de um jeito todo orgulhoso quando lhe cumprimentam. Mamãe ajuda a revisar matérias, controla trabalhos e provas. Quando lhe perguntam alguma coisa sobre a escola, lá vem sua frase muito usada: “A mamãe é que sabe”.

  Gosta da escola, da professora e dos colegas. Fez muitos amigos, assim como seu irmão, e certo dia, para brincar com você, vovô Paulo perguntou: “O João já está namorando?” E você, rápido como uma flecha: “Você gosta de provocar, hein vovô?!”  Aliás, respostas rápidas para o vovô Paulo você sempre tem. Recentemente, em uma noite de pizza em sua casa, vovô cutucava o João, que reagia empurrando a mão dele e dando risada. E você, no ato: “Vovô, você só fica feliz vendo o circo pegar fogo, né?!”

Você também gosta de se divertir sozinho. É capaz de passar um bom tempo jogando bola, montando Lego, desenhando e pintando sem ninguém para interagir. Mas fazer amizades rapidamente, é com você mesmo. Como quando foi a Serra Negra com papai, mamãe e João. Quando eles viram, você já estava correndo e brincando na praça com outra crianças.

Na estrada, indo de Holambra para Serra Negra, viu uma placa indicando Poços de Caldas, e ficou todo agitado: “É por aqui que vai para Poços de Caldas?” É que você não se esquece do hotel-fazenda onde ficou hospedado em Poços e que tinha uma exposição de veículos pesados do Exército. Claro que logo os associou aos Monster Trucks... Ainda na estrada, papai viu dois Porsches iguais, da mesma cor, e provocou: “João e Tite daqui a alguns anos, dirigindo seus Porsches!” Mas logo emendou: “João, pode ser, mas Tite vai estar dirigindo um Monster Truck...”

Almoçando na casa da vovó, me “ensinou” a servir feijão para quem não gosta muito do caldo: “Vou te ensinar um truque.  Inclina um pouco a colher e deixa cair o molho. Depois, é só pôr o feijão no prato!” Foi abrir a geladeira, e a porta se fechou sozinha. Não teve dúvidas: “Sua geladeira é assombrada?” Na sobremesa, teve creme de abacate, uma de suas prediletas. Mas você disse que não queria porque tinha comido muito. E, de acordo com sua personalidade de logo decidir um problema, pediu: “Põe em um refratário, que eu levo para casa e como lá.”

Estava assistindo TV na casa da vovó, e faltou luz. Não se apertou: foi buscar o notebook para procurar modelos de Monster Trucks para desenhar, mas a internet também estava com problemas. Então, foi ao armário de brinquedos pegar um Lego antigo para remontar. A energia voltou e, sem qualquer comentário, você retornou para a frente da TV e se acomodou para continuar assistindo ao seu programa. Mas deu um “conselho” para a vovó: “É melhor você trocar de internet. Essa que você tem não é boa!”

Todos esses momentos, Luiz Felipe, são uma pequena amostra de quão rápido você cresceu e de como sua inteligência e perspicácia acompanharam esse crescimento. Você continua uma criança linda, inteligente e muito amada. Papai e mamãe estão sempre se preocupando e buscando o melhor para você. O amor do João é expresso em abraços, brincadeiras e brigas, claro, como sempre acontece entre irmãos. Popular entre os amigos, é querido e requisitado.

Junto com seu irmão, vocês movem o mundo dos vovós, que estão com vocês constantemente em seus pensamentos, sonhando com o melhor para suas vidas. E esta vovó Ana continua vendo em você a estrelinha que veio tornar mais brilhante nosso céu.  E desejando que essa estrela brilhe cada vez mais, iluminando seu caminho de conquistas, trabalho, amor e felicidade.    

 

 

       

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Chuva e fantasia

 

                              Tragédia recorrente

Publicada em 23/02/2023, na Tribuna Livre, do jornal A Tribuna                                                                

Correndo o risco de me tornar repetitiva e até maçante, não consigo deixar de avisar: “tiremos a fantasia antes que chova!” Por diversas vezes, escrevi neste espaço sobre as tragédias provocadas pelas chuvas em excesso, em áreas serranas, sempre nesta época do ano, próxima do Carnaval. Desta vez, em pleno Carnaval!

“Tiremos a fantasia”, no sentido de cair na realidade, perceber os perigos, prevenir-nos contra eles. “Antes que chova”, no sentido de não esperarmos novas chuvas, começar a agir logo. Pena que desta vez o mote chegue tão atrasado, quando a chuva no Litoral Norte paulista já destruiu em sua trágica passagem as coloridas fantasias de tantas pessoas. Gente que se sentia segura em suas casas precárias, construídas em encostas e terrenos perigosos, mas que fantasiava um futuro melhor.

            Gente que via no Carnaval uma oportunidade de aumentar a renda com o turismo, mas cujas fantasias de renda foram cruelmente despedaçadas; gente que simplesmente queria viver a fantasia de um descanso total, em uma linda praia, sob o sol a criar coloridas lantejoulas no movimento das ondas, mas que só pôde ver o vento e a chuva criarem lama escura e ameaçadora.

            Agora, todos falam, todos gritam e ninguém tem razão. A mídia martela notícias desesperadoras em cima de informações às vezes desconexas. Uma quantidade absurda de famílias desabrigadas e – pior – um número inaceitável de mortos e desaparecidos. Bairros ilhados devido às assustadoras barreiras que caíram nas estradas. Imagens de morros desmoronados e praias transformadas em lamaçal. Prejuízos materiais incalculáveis. Um caos, não fossem estas chuvas as maiores registradas no Brasil no período de 24 horas!

            E o roteiro de sempre se repete: muita gente querendo ajudar materialmente porque é solidária e porque nosso povo é assim mesmo; os profissionais do salvamento arriscando suas vidas para salvar as dos semelhantes; os voluntários que não conseguem ficar inertes vendo tanto sofrimento e fazem o que podem para diminuí-lo.

Mas há muitos ajudando apenas para auferir vantagem, nem que seja conquistar simpatias para lucrar mais tarde com elas e até – infelizmente – tentando ganhar dinheiro com a desgraça alheia, como sempre acontece nessas situações.

            Pela extensão da tragédia, políticos de ideologias opostas se unem na tentativa de remediar o estrago, e autoridades da área jurídica, indignadas, prometem investigar e apontar os culpados – além de São Pedro, claro, que desta vez exagerou! – pela nova e imensurável tragédia.

            Estão “tirando a fantasia” em plena chuva! Deveriam tê-la tirado muito antes. Quando brilha o sol, não pensam nos perigos que deveriam prevenir; nas moradias construídas nas enganadoras encostas, que deveriam proibir, orientando e encaminhando seus moradores. Não se dispõem a tocar obras essenciais à segurança da população; não investigam interesses financeiros e políticos escamoteados em aparentes benefícios.

            Enfim, vivem a fantasia de que tudo está bem. Afinal, há o céu azul e o mar com suas ondas e espuma branca, tão convidativo e encantador! E não tiram a fantasia a tempo de não molhá-la, porque a chuva sempre vem, e, desta vez, transformou-a em trapos enlameados!

           

 

             

           

           

      

             

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Carnaval 2023

 

                        O exemplo de Arlequim 

Publicada na seção Tribuna Livre, do jornal A Tribuna, em 10/02/2023



               "Arlequim está chorando pelo amor da Colombina...” Ou estaria louco de ciúmes e se sentindo “dono” da Colombina, arquitetando um plano para matá-la, e Pierrô junto? Não há, hoje, espaço para as sátiras que alimentavam a Commedia dell´Arte, o gênero teatral que a Itália popularizou no século 16 e que se contrapunha à Commedia Erudita, com origem na literatura e pouco compreendida pelo povo.          

            Os três personagens-símbolo do Carnaval e a história de seu triângulo amoroso eram apresentados com enorme sucesso em ruas e praças da então pequena Veneza e de várias outras cidades italianas. Com sua sátira aos costumes, trama amorosa e brincadeiras, eram o próprio espírito do Carnaval, e, assim como suas máscaras e coloridos figurinos, sobreviveram até hoje.

            As tragédias sempre existiram, a violência também, idem o desprezo à mulher. Não se diga que não aconteciam na época das sátiras de rua! Mas era nas peças da Commedia dell´Arte (até hoje um gênero muito valorizado no meio teatral) que os recalques entre classes sociais, raivas, mágoas e muitos outros sentimentos inconfessáveis eram transformados em risos e arte, aliviando a tensão.

            Infelizmente, hoje não temos mais comédias de rua para rirmos de nossos políticos, dos nossos próprios sentimentos, da nossa sociedade. Não há mais, atuando nas praças, atores na pele de Pantaleão, o patrão rico e avarento; do Doutor, o intelectual esnobe, ou do Capitão, covarde que se passa por valente.

            No entanto, todos os conhecemos na atualidade. Basta olharmos para o lado para localizá-los ou vermos o noticiário para identificá-los. Fazem parte das nossas mazelas, da nossa revolta. E não temos mais como rir em praça pública! E vão surgindo, a cada dia, novos “personagens”. Na política, os que nem fazem questão de esconder seus objetivos de poder e riqueza; nas tragédias dos desastres naturais, os que deveriam agir e nada fazem, e ainda buscam lucrar com a situação, além de colocarem interesses políticos acima do desespero das vítimas.        

            E nas relações sociais, interpessoais e familiares, os violentos, gananciosos, fracassados e egoístas, que não sabem rir de si mesmos. Assassinam, sequestram, roubam, chantageiam. Para muitos, uma maneira de resolver problemas, impondo-se pela força. São os “donos” do outro (principalmente da outra). É o ódio latente em nossa sociedade!

            Que pena que Arlequim, Pierrô e Colombina só voltam à moda no Carnaval! O embate entre o amor platônico de Pierrô e a paixão de Arlequim disputando o amor da bela Colombina é resolvido com leveza: Colombina parte com o sedutor Arlequim e ambos enfrentam uma vida com dificuldades. Colombina descobre, então, as cartas de amor que Pierrô secretamente lhe dedicava e, comovida, decide deixar Arlequim, indo viver, feliz, com Pierrô. Sem, no entanto, perder a esperança de voltar a ver Arlequim no próximo Carnaval.

            Não, Arlequim não tentou matar Colombina e Pierrô! Partiu para outra. Atitude exemplar, que deveria inspirar muita gente. Embora triste, foi viver a vida. E até hoje, onde ainda há festas de Carnaval, ele é lembrado na icônica marchinha: chora pelo amor de Colombina no meio da alegria de “mais de mil palhaços no salão”!