quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Chuva e fantasia

 

                              Tragédia recorrente

Publicada em 23/02/2023, na Tribuna Livre, do jornal A Tribuna                                                                

Correndo o risco de me tornar repetitiva e até maçante, não consigo deixar de avisar: “tiremos a fantasia antes que chova!” Por diversas vezes, escrevi neste espaço sobre as tragédias provocadas pelas chuvas em excesso, em áreas serranas, sempre nesta época do ano, próxima do Carnaval. Desta vez, em pleno Carnaval!

“Tiremos a fantasia”, no sentido de cair na realidade, perceber os perigos, prevenir-nos contra eles. “Antes que chova”, no sentido de não esperarmos novas chuvas, começar a agir logo. Pena que desta vez o mote chegue tão atrasado, quando a chuva no Litoral Norte paulista já destruiu em sua trágica passagem as coloridas fantasias de tantas pessoas. Gente que se sentia segura em suas casas precárias, construídas em encostas e terrenos perigosos, mas que fantasiava um futuro melhor.

            Gente que via no Carnaval uma oportunidade de aumentar a renda com o turismo, mas cujas fantasias de renda foram cruelmente despedaçadas; gente que simplesmente queria viver a fantasia de um descanso total, em uma linda praia, sob o sol a criar coloridas lantejoulas no movimento das ondas, mas que só pôde ver o vento e a chuva criarem lama escura e ameaçadora.

            Agora, todos falam, todos gritam e ninguém tem razão. A mídia martela notícias desesperadoras em cima de informações às vezes desconexas. Uma quantidade absurda de famílias desabrigadas e – pior – um número inaceitável de mortos e desaparecidos. Bairros ilhados devido às assustadoras barreiras que caíram nas estradas. Imagens de morros desmoronados e praias transformadas em lamaçal. Prejuízos materiais incalculáveis. Um caos, não fossem estas chuvas as maiores registradas no Brasil no período de 24 horas!

            E o roteiro de sempre se repete: muita gente querendo ajudar materialmente porque é solidária e porque nosso povo é assim mesmo; os profissionais do salvamento arriscando suas vidas para salvar as dos semelhantes; os voluntários que não conseguem ficar inertes vendo tanto sofrimento e fazem o que podem para diminuí-lo.

Mas há muitos ajudando apenas para auferir vantagem, nem que seja conquistar simpatias para lucrar mais tarde com elas e até – infelizmente – tentando ganhar dinheiro com a desgraça alheia, como sempre acontece nessas situações.

            Pela extensão da tragédia, políticos de ideologias opostas se unem na tentativa de remediar o estrago, e autoridades da área jurídica, indignadas, prometem investigar e apontar os culpados – além de São Pedro, claro, que desta vez exagerou! – pela nova e imensurável tragédia.

            Estão “tirando a fantasia” em plena chuva! Deveriam tê-la tirado muito antes. Quando brilha o sol, não pensam nos perigos que deveriam prevenir; nas moradias construídas nas enganadoras encostas, que deveriam proibir, orientando e encaminhando seus moradores. Não se dispõem a tocar obras essenciais à segurança da população; não investigam interesses financeiros e políticos escamoteados em aparentes benefícios.

            Enfim, vivem a fantasia de que tudo está bem. Afinal, há o céu azul e o mar com suas ondas e espuma branca, tão convidativo e encantador! E não tiram a fantasia a tempo de não molhá-la, porque a chuva sempre vem, e, desta vez, transformou-a em trapos enlameados!

           

 

             

           

           

      

             

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