A deusa e a mãe chinesas
Uma pequena lenda chinesa conta que certa deusa, ao
receber o pedido de uma mãe desesperada, para que salvasse seu pequeno filho da
febre altíssima, que ameaçava levá-lo, apenas sorriu. Não fez um gesto para
curar o garotinho, que acabou sucumbindo à doença.
A jovem mãe, sozinha no mundo e
sofrendo muito com a morte do filho, “brigou” com a deusa e dela não quis mais
ouvir falar. Poucos meses depois, morreu de tristeza, mas, ao acordar, teve
grande surpresa: perto da deusa, lá estava seu filhinho, que, quando viu a mãe,
correu feliz para seus braços.
A mãe não entendia. E não perdoava.
Questionou a deusa sobre o porquê de não ter salvo a criança. A deusa voltou a
sorrir: “Eu queria seu filho, sua alegria, sua beleza e seu carinho para mim.
Eu o trouxe, mas ele não era a mesma criança, não era feliz sem o seu amor. Por
isso você veio. Eu quero esse pequeno para alegrar os céus, mas isso só é
possível se ele tiver seu amor”.
A lenda, uma rápida ode ao amor
materno, não conta se os três viveram felizes para sempre. Mas, nos leva a
paralelos com tristes acontecimentos que nos assombram todos os dias. Crianças vítimas
de acidentes da natureza ou humanos, abandonadas ao próprio destino, definhando
e morrendo de frio, de fome, do desinteresse de pais ausentes, miseráveis ou
drogados. Recém-nascidos deixados para morrer.
Crianças praticando ataques suicidas porque monstros
inescrupulosos usaram a religião para enganá-las com falsas promessas de
felicidade no além. Crianças vítimas de atos terroristas ou tragicamente mortas
durante a fuga desse terror. É então que muitos de nós, abalados por todas
essas tristes notícias, clamamos: “E onde estava Deus, que não salvou esses
inocentes?” Ou pensamos que, como na lenda chinesa, os Céus quiseram esses
pequenos para ficarem mais alegres.
Mas, seria preciso tanto sofrimento apenas para esses
anjos irem alegrar os Céus? Não, não é de Deus a culpa, é nossa! Somos nós que
não amamos nossas crianças como a mãe chinesa amava. Não fiscalizamos
legisladores e governantes; nossos professores são mal pagos e desinteressados;
nossas crianças não têm segurança e sofrem nos hospitais sem médicos e
equipamentos, ou são abandonadas em orfanatos.
Famílias desestruturadas, estresse e falta de amor
levam a atos monstruosos de pais, parentes e cuidadores, maltratando (e até assassinando)
crianças, apenas por serem desobediente ou chorarem muito alto. Expressiva
parte da sociedade está fechada para a solidariedade, pensando apenas no lucro
financeiro e no poder. É a avassaladora corrupção de governos, empresas e
pessoas, que, nem por um minuto, pensam nas crianças malabaristas ou pedintes
dos faróis de trânsito, que encontram todos os dias, sem vê-las.
Não, não é de
Deus a culpa, mas nossa. Porque perdemos de vista nossa humanidade. Vai levar
muito tempo para recuperá-la. Talvez, começando já, com pequenos gestos de
paciência, de orientação, de cuidados com os pequenos. Com firmes posturas de
cobrança dos responsáveis por sua triste condição.
Na lenda chinesa, só o amor de mãe foi capaz de fazer
renascer a alegria do filho. Será que teremos amor bastante para fazer voltar a
brilhar de alegria os olhos das crianças sofredoras deste enlouquecido Planeta?
Afinal, os Céus podem esperar para recebê-las. É preciso fazer sua infância
feliz aqui e agora.