sábado, 23 de julho de 2016

Crônica: sobre nossas crianças


                              A deusa e a mãe chinesas

 

Uma pequena lenda chinesa conta que certa deusa, ao receber o pedido de uma mãe desesperada, para que salvasse seu pequeno filho da febre altíssima, que ameaçava levá-lo, apenas sorriu. Não fez um gesto para curar o garotinho, que acabou sucumbindo à doença.

         A jovem mãe, sozinha no mundo e sofrendo muito com a morte do filho, “brigou” com a deusa e dela não quis mais ouvir falar. Poucos meses depois, morreu de tristeza, mas, ao acordar, teve grande surpresa: perto da deusa, lá estava seu filhinho, que, quando viu a mãe, correu feliz para seus braços.

         A mãe não entendia. E não perdoava. Questionou a deusa sobre o porquê de não ter salvo a criança. A deusa voltou a sorrir: “Eu queria seu filho, sua alegria, sua beleza e seu carinho para mim. Eu o trouxe, mas ele não era a mesma criança, não era feliz sem o seu amor. Por isso você veio. Eu quero esse pequeno para alegrar os céus, mas isso só é possível se ele tiver seu amor”.

         A lenda, uma rápida ode ao amor materno, não conta se os três viveram felizes para sempre. Mas, nos leva a paralelos com tristes acontecimentos que nos assombram todos os dias. Crianças vítimas de acidentes da natureza ou humanos, abandonadas ao próprio destino, definhando e morrendo de frio, de fome, do desinteresse de pais ausentes, miseráveis ou drogados. Recém-nascidos deixados para morrer.

Crianças praticando ataques suicidas porque monstros inescrupulosos usaram a religião para enganá-las com falsas promessas de felicidade no além. Crianças vítimas de atos terroristas ou tragicamente mortas durante a fuga desse terror. É então que muitos de nós, abalados por todas essas tristes notícias, clamamos: “E onde estava Deus, que não salvou esses inocentes?” Ou pensamos que, como na lenda chinesa, os Céus quiseram esses pequenos para ficarem mais alegres.

Mas, seria preciso tanto sofrimento apenas para esses anjos irem alegrar os Céus? Não, não é de Deus a culpa, é nossa! Somos nós que não amamos nossas crianças como a mãe chinesa amava. Não fiscalizamos legisladores e governantes; nossos professores são mal pagos e desinteressados; nossas crianças não têm segurança e sofrem nos hospitais sem médicos e equipamentos, ou são abandonadas em orfanatos.

Famílias desestruturadas, estresse e falta de amor levam a atos monstruosos de pais, parentes e cuidadores, maltratando (e até assassinando) crianças, apenas por serem desobediente ou chorarem muito alto. Expressiva parte da sociedade está fechada para a solidariedade, pensando apenas no lucro financeiro e no poder. É a avassaladora corrupção de governos, empresas e pessoas, que, nem por um minuto, pensam nas crianças malabaristas ou pedintes dos faróis de trânsito, que encontram todos os dias, sem vê-las.

 Não, não é de Deus a culpa, mas nossa. Porque perdemos de vista nossa humanidade. Vai levar muito tempo para recuperá-la. Talvez, começando já, com pequenos gestos de paciência, de orientação, de cuidados com os pequenos. Com firmes posturas de cobrança dos responsáveis por sua triste condição.

Na lenda chinesa, só o amor de mãe foi capaz de fazer renascer a alegria do filho. Será que teremos amor bastante para fazer voltar a brilhar de alegria os olhos das crianças sofredoras deste enlouquecido Planeta? Afinal, os Céus podem esperar para recebê-las. É preciso fazer sua infância feliz aqui e agora.