sábado, 26 de dezembro de 2015

Sem tempo para refletir

O nosso agitado dia a dia foi a fonte de inspiração para a minha crônica publicada no Dia de Natal, na "Tribuna Livre", do jornal "A Tribuna". Vejam se não tenho razão.


                                      Natal apressado

                                   

Guardei ontem as bolas brilhantes e as luzes coloridas que serviram para enfeitar o Natal. Como? Não foi ontem? Já se passou um ano? E já estamos de novo no Natal?! Sou obrigada a reconhecer: a cada ano as Festas parecem chegar mais cedo. Mas, desta vez, bateram recordes: acho que emendaram com as do ano passado!

         Como eu, a maioria das pessoas tem a sensação de que o tempo está galopando, atirando-nos em um redemoinho de compromissos, preocupações, metas. Será o nosso estilo de vida o responsável? Será nossa a culpa de não saborearmos a vida?

         Com certeza, temos uma parcela de culpa por não sabermos gerenciar nosso tempo. Mas não é apenas isso. O tempo passa célere porque está contaminado por notícias e acontecimentos que diariamente mostram a miséria moral e física do ser humano. Como pensar na beleza da vida, se temos que enfrentar a violência, o terror, a fome, as convulsões sociais, as religiões dogmáticas e distorcidas?

         Ou seja, como curtir a paisagem – ainda que urbana – se não sabemos como será o amanhã? Ou o próximo minuto? As luzes multicores brilham na noite, mas as sombras trazem medo e bandidos. Papai Noel se multiplica a cada shopping, cada loja, mas não há dinheiro para os presentes. As igrejas tocam sinos e montam presépios, mas ninguém repara na figura da Criança deitada na manjedoura.

         Nosso Natal tem, sim, muitos gestos de solidariedade e amor. Mas, o tempo, que passa na velocidade da luz, não nos deixa parar, empurra-nos para uma realidade totalmente esquecida da palavra Daquele para quem preparamos a festa.

         Limpamos e decoramos a casa de olho na televisão, que noticia o mais recente atentado terrorista; organizamos a ceia, ao mesmo tempo em que pensamos na segurança dos participantes, contra a ação de possíveis marginais; saímos à rua com o “espírito natalino” ativado, mas encontramos rostos tristes, irritados, estressados; ficamos presos no congestionamento e, em vez de ouvirmos música no rádio do carro, permanecemos atentos às notícias políticas e econômicas de um País cada vez mais desequilibrado.

         Roubo, corrupção, delação, traição, investigação são palavras corriqueiras no dia a dia. Desemprego, saúde e educação abaixo da crítica, dramas familiares e pessoais ocupam quase todos os nossos pensamentos. Como parar e fazer o tempo parar junto?

         Não temos o poder de modificar os acontecimentos. As coisas ruins devoram o nosso tempo, e já nada nos sobra para o recolhimento, a meditação, o encantamento com a natureza, com o sorriso de uma criança. Mas, quem sabe possamos ainda fazer alguma coisa? Poderíamos começar neste Natal, levando a sério os votos de paz e amor.

         Poderíamos contribuir com uma gotinha de nossos bons desejos para o Brasil e o mundo. Correr menos, ajudar mais, esquecer um pouco os fatos tristes e lembrar bastante dos que dignificam o ser humano. Poderíamos constatar com mais frequência a nossa fragilidade e a nossa grandeza. Afinal, a festa é para Alguém que veio ensinar tudo isso. Quem sabe, dessa forma, o Natal de 2016 não chegue tão apressado?  

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Religião e terror


    A respeito dos ataques terroristas a Paris, neste mês de novembro, e de outras tragédias provocadas pelo terror, uma crônica publicada  na "Tribuna Livre", do jornal "A Tribuna", em 25/11/2015.                           



                    Que pena, Swami!

 

Em 1893, emblematicamente no 11 de setembro, Swami Vivekananda iniciou sua curta fala no Parlamento das Religiões, no Instituto de Arte de Chicago, EUA, com um simples “Irmãs e irmãos da América”. Foi aplaudido de pé por sete mil pessoas, durante dois minutos. Uma recepção à altura para o monge que representava a Índia e o Hinduísmo.

            Depois, durante seu discurso, acentuou com veemência a necessidade da convivência entre todas as religiões, citando passagens do Bhagavad Gita: assim como águas provenientes de várias fontes se misturam no mar, também os diferentes caminhos que são tomados pelos seres humanos, em busca de Deus, conduzem todos a Ele.

            A repercussão de sua fala foi imensa, inclusive nos principais órgãos de imprensa; em todas as outras vezes em que discursou no Parlamento das Religiões, destacou a importância da tolerância religiosa e da aceitação universal. Carismático e culto, Vivekananda viajou por diversos países, fazendo palestras sobre vários temas, sem nunca se esquecer da universalidade da fé.

            Infelizmente, as sementes espalhadas por suas palavras não caíram todas em terra fértil. Foram levadas pelo vento ou perdidas em terra de espinheiros. Se estivesse vivo hoje, ou no 11 de Setembro de 2001, Swami Vivekananda constataria que é muito duro o coração humano. Que a inteligência do homem não é usada em plenitude. E que, em pleno século XXI, ainda nos odiamos e nos matamos em nome de Deus.

            Os atentados este mês, em Paris, e os de 2001 em Nova Iorque e Washington, são a prova da miséria moral da humanidade. Tudo precedido de atos dramáticos e revoltantes, e tudo escancarado pela mídia para o mundo inteiro, cenas mostradas em um palco onde se sucedem, a cada hora, cada minuto, o suspense sórdido e revoltante.

            Mas, será mesmo apenas por causa de visões religiosas opostas ou distorcidas que chegamos a isso? Dificilmente! Manipuladas por governos hipócritas, por interesses econômicos de submundo, pela ânsia do poder e do dinheiro, cabeças jovens, vazias e sem perspectivas, são facilmente atraídas por grupos terroristas. Em troca de se despirem de sua humanidade, são-lhes oferecidos algum dinheiro, o respeito de seus companheiros e uma eternidade feliz e suntuosa para suas almas.

            Enquanto isso, as ameaças e a matança continuam, a vida segue estradas repletas de armadilhas e o ser humano abdica de sua evolução. Coragem é palavra linda. Mas, e as ações? E a erradicação da miséria, a atenção e carinho na formação dos filhos? Crianças e jovens crescendo com dignidade e amor dificilmente se tornarão joguetes em mãos terroristas.

            Valores da cultura ocidental – que o terror quer destruir – são impecáveis no papel, mas precisam ser realmente praticados.    Precisamos agir pela ampliação da percepção de humanidade em cada um de nós. Precisamos parar com essa bobagem de guerra na Internet pelo maior destaque para a tragédia de Paris ou de Mariana. Precisamos aproveitar nosso precioso tempo em ações úteis. Precisamos nos defender do terror, impor nossa humanidade e agir pela paz, ainda que em pequenos atos.

            E precisamos, principalmente, praticar a tolerância universal e a confraternização entre as religiões, a começar por aquelas instaladas no quarteirão de nossas casas. Ou será que vamos continuar caminhando para o caos de olhos vendados, ao mesmo tempo em que deixamos esquecidas para sempre as palavras de Vivekananda?

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

João Vitor - 4 anos


                        “Brincando de carro”
                         e iluminando a vida

 
                        
Você, sério, olhando para mim, estendendo a mãozinha e pedindo: “Vem brincar, vovó, vem”! Quantas vezes eu vivi essa cena e quantas vezes, espero, ainda a viverei! Mas essa imagem, João Vitor, por certo estará sempre comigo. Basta fechar os olhos e lá está você, corado, compenetrado na “urgente tarefa” de brincar. Eu me acomodo ao seu lado e pergunto: “Brincar de quê?” E a resposta, invariável: “De carro”!

É a sua paixão por automóveis falando mais alto. É a sua alegria inundando meu mundo. Não só o meu, mas o de sua família e o dos amigos. Você chega junto com raios de sol. Foi assim sempre nestes quatro anos. É assim desde que vi aquele lindo bebê no colo de sua emocionada mamãe.

Seria mesmo uma criança ou um anjo, peralta às vezes, como todos os anjos-crianças, mas amoroso, encantador? E se nós tentamos protegê-lo dos perigos da vida, é você quem, muitas vezes, nos protege da tristeza e do desânimo. Bastam um olhar e um sorriso seus, e tudo volta a ficar claro e alegre. Você e seu irmãozinho são sinônimos de felicidade. Brincando, rindo, conversando, correndo, raciocinando... E você raciocina com uma lógica que, muitas vezes, espanta!

Mas, você continua gostando do tum-tum-tum dos relógios da casa do vovô. Adora brincar com os carros passando por “opas” imaginários ou entrando e saindo de garagens que você “inventa”. Os números são seus amigos, a língua inglesa começa a fazer parte de seu vocabulário. Correr é bom, pedalar na bicicleta ou no carrão é programa delicioso, assim como viajar com o papai, a mamãe e o Tite. Tudo você quer saber, os “por quês?” são tantos e tão velozes que, às vezes, nos deixam confusos.

Uma delícia! É você crescendo, convivendo com os amiguinhos, conhecendo as pessoas, as coisas e a vida. Dos carros, você já sabe as marcas, assim como se diverte com ônibus e caminhões. Brincar na areia é “sua praia”, mas você também gosta de “pular onda”. O Mickey e a Peppa ainda disputam sua atenção nos desenhos da TV.

Mas, o melhor de tudo, mesmo, é a troca de carinho com a família. Beijos, abraços e muitas brincadeiras com o papai, a mamãe e o irmãozinho. Vovô Paulo imitando cachorros e todos os bichos que você pede. Esta vovó Ana se esquecendo de que é vovó para virar criança ao seu lado. Vovô Santi e vovó Janne usando a criatividade e inventando brinquedos e brincadeiras.

Sua ingenuidade sedutora conquista. Você é querido na família, na escola, entre os amigos. Neste seu quarto aniversário, só posso desejar que você continue levando essa sedução pela vida afora. A sedução que vem de uma postura amorosa e firme, do equilíbrio e ponderação que já se adivinham em sua personalidade. Você, João Vitor, por certo conta com uma atenção especial do Ser Maior. Lute, pois, meu amado netinho, para construir uma vida produtiva e repleta de amor.

 

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Conto: Santos como protagonista


          Mar, de Mário

 

 
Elza foi em direção à gaveta e começou, lentamente, a retirar papeis amarelados pelo tempo. Misturadas, fotos em preto e branco, tendo o mar como cenário ou protagonista. Um jovem casal, em comportados maiôs, sorria, mais parecendo um antigo comercial de roupas de praia.

         Achou a ideia divertida. Risos, em vez das lágrimas que  pedia a ocasião! Acomodou-se em uma poltrona e as cenas daquele tempo feliz sucederam-se em sua mente. Mário e mar! Qual dos dois a havia enfeitiçado realmente? O charme do moço moreno ou a beleza de Santos, que ela via pela primeira vez?

         Elza voltou a ouvir o doce marulhar das ondas, a sentir o sol em sua pele. A areia firme, convidando a uma caminhada. O inesquecível cheiro de mar. E, também, viu o mar mudar de verde para cinza, com a aproximação da tempestade de verão.

         Os raios que riscavam o céu e o assustador barulho dos trovões pareciam ter invadido o quarto onde ela, com as velhas cartas na mão, revivia o tempo que sabia, agora, ter sido o mais feliz de sua vida. E a voz aflita e gentil alertando para que saísse da praia...

 Ingênua, respondeu ao rapaz: -- Não tenho medo de tempestade!

 E nada mais conseguiu dizer, já que ele a empurrava para fora da praia, até encontrarem abrigo na igreja cujas portas abertas resistiam à fúria do temporal. Elza estava muito brava: queria ter visto o mar revolto, não admitia ser tratada daquela maneira!

Mário sorriu e, depois, não conseguia mais parar de rir. Logo percebeu que Elza não era da Cidade. Explicou-lhe que ela poderia ter morrido caso tivesse atraído um raio. A raiva cedeu, eles se apresentaram, ela confirmou que estava em Santos de férias. E que via o mar pela primeira vez!

Daí o fascínio! O deslumbramento com os quilômetros de jardins à beira-mar, a beleza dos morros fazendo fundo na paisagem marítima. Quando perceberam, o sol já havia expulsado a tempestade. Fazia calor de novo, e Elza já não sabia se era do sol ou da proximidade de Mário.

O resto da tarde passou rapidamente, entre risos, histórias da vida de cada um, sucos, jovem alegria de viver. Na despedida, novo encontro combinado. E, depois desse, mais um e mais um. Elza cada vez mais fascinada por Santos! E por Mário!

Apresentou-o aos tios, na casa de quem estava hospedada. A prima logo o aprovou e, muitas vezes, acompanhou o casal nos passeios pela Cidade. Mário era anfitrião perfeito. Quis mostrar-lhe mais do que a praia.

Em dia de folga no trabalho, levou-a ao Centro, repleto de construções históricas, às igrejas com sua arquitetura e suas obras de arte expressando a fé em várias épocas. Revelando seu autodidatismo e interesse por História, contou-lhe um pouco de Santos, uma das cidades mais antigas do Brasil; do povoamento, que começou  por volta de 1540; da importância da Cidade para a formação territorial e política do País.

Visitaram, na Praça José Bonifácio, a Catedral, com seu estilo neogótico, lembrando os templos europeus. Na Praça Barão do Rio Branco, ela se deslumbrou com o Conjunto do Carmo e seu estilo barroco, a Ordem Primeira e a Ordem Terceira unidas por torre e campanário.

Ao lado, o Panteão dos Andradas, com obras de arte e o jazigo do Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrade e Silva, e seus irmãos. Elza não sabia que Santos fora berço de tantos nomes da História, como Bartolomeu de Gusmão, inventor do aeróstato, e seu irmão, o diplomata Alexandre de Gusmão.

A imponente Bolsa Oficial do Café, na Rua XV de Novembro, foi outro deslumbramento, com suas estátuas de Mercúrio, o deus romano mitológico do Comércio, e Ceres, da Agricultura, sem falar, na sala do pregão, da obra de Benedicto Calixto transformada em vitral, retratando períodos da História e da riqueza de Santos e do Brasil.

Visitaram, na Praça Rui Barbosa, a Igreja do Rosário, com seus detalhes barrocos em pedra e sua bela história, originada da capela onde se refugiavam os escravos foragidos. Outro barroco, considerado um dos mais bonitos do século XVIII, foi admirado por Elza e Mário no Largo Marquês de Monte Alegre: o Santuário de Santo Antônio do Valongo.

Dali, foram ao Monte Serrat, e Elza não negou a apreensão ao entrarem no funicular. Mas, o bondinho, em sua preguiçosa trajetória, levou-os em segurança, até desembarcarem no antigo e refinado cassino que, até 1945, havia sido uma das atrações da noite santista.

Antes de entrarem no santuário de Nossa Senhora do Monte Serrat, ela quase perdeu o fôlego ao ver toda a cidade do alto, uma visão de 360 graus. Já na histórica capela, se emocionou ao constatar a fé dos que lá estavam, e também fez uma prece à Virgem.

Depois, Mário lhe contou o que teria motivado o nome Monte Serrat: em 1614, ao se verem atacados por piratas holandeses, moradores de Santos teriam subido o morro pedindo socorro à Virgem de Monserrate. A Senhora teria, então, feito pedras caírem sobre os invasores, expulsando-os. Assim, Nossa Senhora do Monte Serrat passou a ser a padroeira oficial da cidade.

Elza desceu feliz, de bondinho, e pensou nos moradores do morro, turistas e pagadores de promessas, que tantas vezes subiam as escadarias de 416 degraus do Monte Serrat. Já no sopé do monte, Mário lhe mostrou a famosa Fonte do Itororó, inspiradora da tradicional cantiga de roda.

O dia estava lindo, e ele a convidou para um sorvete na praia. Foram de “camarão”, um bonde elétrico fechado, meio de transporte preferido por grande parte da população. Quando desembarcaram, na avenida da orla, seguiram lentamente pelas alamedas dos extensos jardins que margeavam a praia.

O mar continuava extasiando Elza. Água, céu, sol, amplidão. Mário buscou a mão da moça, que não a retirou. Sentaram-se em um dos bancos de cimento voltados para a praia. Falaram um pouco mais de suas vidas, ela, da cidade do interior paulista onde vivia, em antigo e confortável casarão, propriedade da família tradicional.

Ele, do trabalho no porto, frisando, com orgulho, que era o maior da América Latina. Prometeu levá-la, em dia de folga, para ver os navios. Elza estava encantada! Jamais poderia ter sonhado com férias assim. Da Ponta da Praia, onde ela pôde ver pescadores em plena atividade, foram caminhando para tomar sorvete, comprado em um dos vários carrinhos equipados com guarda-sóis. Depois, ele a deixou na casa dos tios. Não sem antes combinarem próximo encontro.

Foi no cinema, primeira sessão noturna, um filme romântico. Elza gostou de ver o Gonzaga com sua Cinelândia iluminada, e gostou mais ainda de ficar durante todo o filme de mãos dadas com Mário. Saíram felizes do cinema e foram comer hot-dog ali perto, em uma aconchegante casa de lanches.

 Diante do irrecusável convite para ver os navios no porto, no dia seguinte, Elza vibrou. Ainda mais que ele também convidou a prima. Poderia, assim, acalmar um pouco os tios, já preocupados com as saídas constantes da moça, sempre acompanhada por Mário.

E foi realmente o que Elza classificou como um espetáculo! Junto com o rapaz, que se movia com desembaraço em lugar que conhecia tão bem, ela e a prima percorreram, em área permitida, um trecho onde puderam ver vários navios cargueiros, magníficos, imponentes, a pintura brilhando ao sol.

E viram, também, o trabalho de máquinas e homens, na tarefa interminável de carregá-los e descarregá-los. Até para a prima, que, mesmo morando na cidade, nunca tinha visto um navio tão de perto, foi um passeio inesquecível.

Com tantas novidades, atrações, belos passeios, ingênuos e apaixonados encontros, Elza não sentiu o tempo passar. Levou um susto quando os pais avisaram, pelo telefone na casa dos tios, que chegariam para buscá-la no dia seguinte, já que as férias estavam no fim.

Naquela noite, preocupada, não conseguiu dormir. Precisava avisar Mário. Coração apertado com a perspectiva de se despedir do rapaz, pediu ajuda da prima. Sem se dar conta de que as férias estavam acabando, havia marcado encontro no dia seguinte, à tarde, no horário da chegada dos pais.

Juntas, as moças decidiram que o melhor era falar a verdade a pais e tios: Elza precisava se despedir de Santos. E de Mário. Apesar da surpresa, os mais velhos não puseram obstáculos. E lá se foi Elza, já com os olhos marejados, ao encontro de Mário. Haviam combinado se ver na porta da Basílica de Santo Antônio do Embaré, a mesma igreja onde haviam se refugiado quando se conheceram.

Ao vê-la, ele logo perguntou: -- O que aconteceu? E ela, não conseguindo mais se conter, chorou. Muito. Mais calma, explicou que tinha que voltar para sua cidade. Entraram na igreja e, até na despedida, ela se encantou com mais uma beleza, esta criada pela mão do homem: a basílica, com seus vitrais e seus altares trabalhados.

Mário, para distraí-la, explicou que o templo havia sido inaugurado em 1945, e era um dos mais procurados para casamentos, por sua beleza e pelo padroeiro Santo Antônio. Conseguiu um sorriso da moça, que, intimamente, fez um pedido ao santo.

Voltaram à rua, atravessaram a avenida e observaram o mar. Combinando com o estado de espírito de Elza, estava cinza, revolto. Era dia sem sol. Ela tinha que ir embora. Sentaram-se no banco de cimento e não resistiram: pela primeira vez, seus lábios se encontraram. O beijo apaixonado continha amor, Elza sentiu.

Antes de se despedirem, prometeram que trocariam cartas constantes, tendo, no começo, a prima como intermediária. Não usariam o telefone, para que pais e tios não começassem a reclamar. No ar, ficou a promessa de romance e de uma vida a dois. No coração de Elza, o pedido feito a Santo Antônio. Em seus olhos, a inesquecível beleza de Santos.

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Sentada na poltrona, ainda com as fotografias nas mãos, Elza, surpresa pela prima, desta vez, não usar a Internet, leu novamente o início da carta que ela lhe mandara, contando que Mário havia falecido. Junto, o recorte de jornal, noticiando o falecimento. Mesmo passados tantos anos, não conseguiu evitar que o coração se apertasse. As lágrimas, afinal livres de convenções, se esparramaram pelo rosto da senhora.

         Novamente, mergulhou em lembranças: os dias e meses de expectativa e, por fim, de angústia, à espera das prometidas cartas de Mário; a falta de resposta às cartas que ela enviava; a fuga do assunto, por parte dos pais, quando tentava falar de sua tristeza; os inúteis pedidos à prima, de conseguir informações sobre o rapaz.

         Dias e meses se sucederam. Um ano, dois...  Até perder totalmente a esperança de reencontrar Mário. Aos poucos, a tristeza foi sendo derrotada pela juventude. Mário se transformou em lembrança. Mas, ela nunca se permitiu esquecer de Santos. Era capaz de reviver, com nitidez, os dias passados na Cidade.

         Tinha vontade de voltar, mas a lembrança do desprezo de Mário a impedia. Em sua cidade, conheceu outros jovens, namorou, casou, teve filhos, netos. Sim, tinha sido feliz, avaliava agora. Durante anos, evitara pensar em Mário. Nem com a prima tocava no assunto.

         Apenas quando ficou viúva voltou a pensar nos belos dias passados em Santos. E em Mário. Por fotos, mídia, internet e pelos relatos da prima, havia acompanhado a evolução da Cidade, as mudanças, a modernidade.

         Agora, dedos trêmulos seguravam, além das velhas fotos e da carta com o recorte de jornal, outro envelope que chegara junto, amarelado, amassado. Era correspondência de Mário, datada de pouco tempo após o fim das férias em Santos.

         Em sua carta, a prima pedia perdão por nunca ter entregado aquela carta de Mário, mas explicava: logo após a partida de Elza, os tios, a pedido dos pais, haviam procurado o rapaz e explicado que a família era contra o namoro, por temer que Elza não se adaptasse à vida que um portuário poderia lhe oferecer. Proibida de entregar ou encaminhar qualquer correspondência entre os jovens, a prima nunca havia mandado para Elza a única carta que Mário lhe pedira para enviar, logo após a conversa com os tios.

         Além disso, as cartas enviadas por Elza eram sistematicamente destruídas. Depois, encerrava a prima, a vida havia seguido por caminhos sem sustos, e ela havia achado melhor não perturbar essa paz.

         De novo, o velho envelope rodava nas mãos de Elza. Decidiu ler a carta. E, desta vez, um pranto sentido a sacudiu. Mário explicava que entendia a oposição que a família da moça fazia ao romance dos dois. Mas, apesar de tudo, ele estava disposto a tentar. E, se ela quisesse, enfrentariam juntos a oposição da família para viver aquele amor verdadeiro, que em tão pouco tempo havia tomado conta de ambos.

         Voltou a chorar, primeiro copiosamente, depois de mansinho. Aos poucos, se acalmou. Uma decisão foi tomando forma, até surgir nítida em seu coração. Levantou-se da poltrona com energia. E foi para o quarto arrumar uma pequena mala.

         Talvez nunca perdoasse a prima, mas, finalmente, voltaria a Santos. Precisava rever aquele mar, pisar na areia, sentir o sol na pele. Iria refazer o roteiro das igrejas e construções históricas, muitas das quais -- ela sabia – haviam passado por restauro. O inesquecível bondinho do Monte Serrat que a aguardasse: iria ao alto do morro, naquela marcha lenta, mas confiável.

         De novo, se deslumbraria com a vista magnífica da Cidade e, pela segunda vez, entraria no santuário que convidava à oração e reflexão. Depois, não se esqueceria de visitar a Bolsa do Café, onde iria se deliciar com vários tipos de café brasileiro.

         Quanto ao tantas vezes sonhado passeio de bonde, ela não mais poderia se movimentar de “camarão”, que já não existia em  Santos, mas tomaria um dos doze elétricos que circulam por cinco quilômetros de vias no Centro. Na Ponta da Praia, conheceria o Píer do Pescador e tomaria sorvete comprado em um dos carrinhos com guarda-sóis, que ainda resistem ao tempo.

         Depois de um passeio pelos extensos jardins da orla, iria ao Gonzaga,ver shoppings e cinemas modernos, bastante diferentes daquele em que, pela primeira vez, Mário havia tomado sua mão.

Uma viagem de navio também não estava descartada. Naturalmente, um belo transatlântico, que em nada lembraria os cargueiros que a haviam deslumbrado na visita ao porto, guiada por Mário.

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Poucos dias depois, Elza pisava a areia da praia de Santos. A felicidade, finalmente, havia se tornado sua amiga. Santos havia lhe trazido novo alento, nova perspectiva, alegria de viver. Atravessou a avenida da praia e entrou na Basílica do Embaré.

         Assim como no Santuário da Senhora do Monte Serrat, não reclamou, nada de queixas. Agradeceu a Santo Antônio a vida tranquila que havia levado. E agradeceu, principalmente, a oportunidade de ter vivido, ainda que por breves dias, um grande amor.

         Saiu ao sol e pensou no quanto aquela Cidade a fascinava. Com filhos e netos morando longe de sua terra natal, não entendia por que resistia em se mudar para Santos. Olhou para a serena estátua do padroeiro erguida em frente à Igreja. Observou o movimento de carros, motos e ônibus na avenida. Viu as árvores do jardim com galhos e folhas balançando no ritmo da leve brisa.

         Compreendeu que a lembrança de Mário a acompanharia para o resto da vida. E tomou nova decisão: iria abraçar aquela Cidade, iria morar ali, de frente para o mar.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Luiz Felipe - 1o. aniversário


 

                     
        Um ano de puro amor

 

 

Você, um nenê de poucos meses, acomodado em meu colo, luta bravamente contra o sono, que teima em fechar seus olhinhos. Já então dotado de uma grande curiosidade, você observa cada canto, cada objeto da sala. Eu canto baixinho canções de ninar de que ainda me lembro e “sucessos” da “Galinha Pintadinha”. O sono vai vencendo, você se aconchega mais e – incrível! – começa a “cantar” para dormir. É um som baixinho, um hã-hã-hã delicado, que até hoje você ainda faz na hora de dormir.

Do nenê curioso, à criança forte, linda e irrequieta de hoje, você, Luiz Felipe, continua nos encantando. Repito para mim mesma: “Um ano, já!” Um ano em que você está ao nosso lado, sorrindo, chorando, experimentando emitir os primeiros sons e sílabas. E, principalmente, nos olhando com esses olhos enormes, lindos e brilhantes, que registram tudo ao seu redor, do menor movimento aos raios de sol iluminando as paisagens, as coisas e as pessoas.

         Você é mais uma benção em nossas vidas. Você veio para, junto com seu irmão João Vitor, nos recordar que existe sim, nesta vida, o amor sem fim e sem limites. O amor transformado em ternura, cuidados, surpresas, alegria.   O amor de pais, irmão e avós.

         Mas você também veio para conquistar o carinho de seus padrinhos, familiares, amigos e todos os que com você convivem, para encantar quem o conhece. Com seu jeito suave de nenê ou com suas “reclamações” nada silenciosas, você derrete corações, especialmente este coração de avó.

         E como é delicioso acompanhar sua descoberta da vida! A cada vez, uma novidade. Bater palminhas – que você aprendeu observando, com sua grande curiosidade, os movimentos dos que o rodeiam –; dar beijinhos à sua maneira muito própria; engatinhar “na velocidade da luz”; apoiar-se em tudo e em todos para ficar de pé e alcançar algum brinquedo ou objeto desejado. E – o mais lindo! – dar seus primeiros passos, com os bracinhos levantados, em busca do espaço a ser conquistado.

         E, também, já tem as pequenas travessuras, como tentar subir sozinho no escorregador pelo lado da descida ou “correr” para a cozinha, que – eu acredito – na sua cabecinha é um lugar mágico, que precisa ser explorado. Enfim, daquele recém-nascido rosado ao bebê que não para nem por um minuto, foi só um ano.

         Um ano maravilhoso! Participar do seu desabrochar para a vida é uma ventura e uma aventura inesquecíveis. Registrar seu claro amor por sua mãe e a imensa alegria com que você recebe seu pai; a fascinação por seu irmão; as cócegas que provocam suas deliciosas risadas e a maneira como você se aconchega no colo de seus avós é um privilégio concedido pelo Ser Maior.

         Por todo esse amor que você já externa; por sua personalidade que começa a se revelar e pelo ambiente repleto de carinho e cuidados em que você vive, com certeza o futuro lhe reserva alegrias e conquistas. Com trabalho e dedicação, sim, mas com a tranquilidade de trilhar o caminho certo.

Por enquanto, a sua felicidade é brincar e descobrir o mundo. Mal sabe você a felicidade que me proporciona quando eu chego e você me olha sorrindo! E quando, em meu colo, você estende a mãozinha para tocar em meu rosto e meu cabelo, com curiosidade e carinho, ah, Luiz Felipe, isso não tem preço!