Publicada na "Tribuna Livre", de "A Tribuna", em 24/12/2013
Não estamos certos!
E, mais uma
vez, vivemos o Natal. Uma grande parte do mundo para, não para refletir sobre a
mensagem da data, mas, para se preocupar com presentes, decoração, jantares,
roupa nova e tudo o mais que vem atrelado ao 25 de Dezembro. Não, não estamos
certos. Se parássemos para pensar além da nossa agitada rotina diária,
perceberíamos a inutilidade de tantas coisas que nos levam ao stress. Compramos
uma Árvore de Natal novinha em folha, sem pensar em quantas famílias sobrevivem
nos lixões, com suas “casas” enfeitadas com restos de papel sujo e objetos
quebrados, resgatados do lixo.
Nossa
roupa nova que acabamos de adquirir não é capaz de nos levar à reflexão de que
existem milhões de seres humanos vestindo andrajos, roupas que há muito
deixaram de merecer esse nome, para serem apenas trapos. E o capricho na compra
dos ingredientes e dos pratos para o Jantar de Natal nos impede de ver crianças
e adultos esquálidos, implorando por um pouco de comida a fim de sobreviver.
Não,
não estamos certos. É realmente linda a festa em família, a comemoração do
Natal! Quase impossível não entrar no clima mágico do Final de Ano e celebrar a
vida. Mas, não estamos certos. E sabemos disso. Tanto que assumimos “sacolinhas
de Natal” para doar aos carentes, em especial às crianças pobres e esquecidas
neste País tão rico. Uma maneira de acalmarmos um pouco nossa consciência.
Não
estamos certos quando não lutamos por um basta definitivo à corrupção que drena
para os bolsos de quem a marioneta, os recursos que poderiam mudar para melhor
a vida dos miseráveis. Quando somos
bombardeados pela mídia com notícias capazes de fazer corar Ali Babá e seus
ladrões. Quando constatamos a violência à nossa volta, tão banalizada, que nos
deixa apáticos. Quando vemos nosso ensino em patamares tão baixos! Quando não
nos importamos mais com as ofensas e agressões aos mestres e professores.
Quando jovens sem perspectiva de vida, sem família, sem cultura, mergulham no
crack, agridem até a morte, expõem seu preconceito com virulência.
Com
certeza, certos não estamos quando, ao invés de proteger a natureza, fazemos de
tudo para destruí-la. E, também, quando não gritamos e nos desesperamos como
carpideiras, ao vermos doentes morrendo nos pisos sujos de corredores de
hospitais, sem médicos, remédios e consolo.
Mas,
mesmo sem estar certos, prosseguimos em nossos preparativos para o Natal. E não adianta apontarmos os dedos uns para os
outros. Como ressalta a pensadora Hannah Arendt, não paramos para pensar. Não
refletimos sobre a natureza do mal, sobre a capacidade de o homem perceber que
não está certo.
Não
procuramos viver a mensagem da época, aquela do Menino que, há mais de dois mil
anos, nasceu em Belém. Sem árvores e bolas coloridas, sem comida refinada,
talvez apenas sob a luz das estrelas. Pois o Menino cresceu e, mesmo para quem
não o vê sob a ótica religiosa, suas palavras mostram que, ainda hoje, não
estamos certos.
Não
porque comemoramos o Natal ruidosa e alegremente, comendo, bebendo, dançando,
em meio às luzes, cores e presentes. Alegria é da natureza humana. Gestos de
solidariedade, também. Carinho, amor e votos de felicidades, igualmente. Só não
estamos certos porque não tentamos começar a reformar o mundo por nós mesmos. Para,
aí sim, podermos dizer que estamos certos.