segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Crônica de Natal

Aqui, texto de minha autoria publicada no domingo, 25 de dezembro de 2016, na seção "Tribuna Livre", do jornal "A Tribuna" de Santos. Crítica com tempero de Natal.



                          Ainda dá tempo!



O pequeno anjo-sem-nome (era apenas um soldado, não tinha nome como os “comandantes” Gabriel, Rafael e Miguel) acordou em sua cama de nuvens, mas nem teve tempo de se espreguiçar. O dever o chamava e ele tinha que voltar logo para perto da garotinha que lhe tinha sido confiada. No caminho, recordava-se do seu sonho, e, nele, a menina corria e ria, feliz como as crianças de sua idade.

            Uma pequena esperança invadia seu coração de anjo, apesar da triste situação em que sua protegida se encontrava. Quem sabe não tinha melhorado? Quem sabe não haviam encontrado remédios eficazes para sua doença? Não tardou a aterrissar na realidade. Deitada em maca no corredor do hospital sem recursos, a menininha definhava. As lágrimas de seus pais comoviam. Era demais até mesmo para um anjo-sem-nome!

            Seu dever era estar ao lado da criança, confortando-a da melhor maneira possível, e foi o que fez. A pequena se acalmou, e ele foi voar um pouco lá fora, pensando na melhor maneira de ajudar. Olhava as luzes coloridas que enfeitavam a noite, à espera do Natal. Conhecia bem os seres humanos, sabia que por trás de cada luzinha podia haver alegria, saudade, amor, agradecimento e até lágrimas.

            Belas emoções, sim, mas de pouco adiantavam. Apesar de ser um anjo, não conseguia perdoar os responsáveis pela precariedade daquele hospital. Por terem desviado o dinheiro destinado a remédios, equipamentos e salários. Por não se importarem com os pacientes humildes, que morriam sem assistência.

            Indignava-se ao se lembrar de tantas outras crianças doentes em hospitais como aquele. Não entendia como podiam os homens comemorar a data, se não abraçavam o espírito do Natal. Como podiam ser tão egoístas, desonestos e gananciosos.

            Desanimado, o anjo-sem-nome sentiu as próprias lágrimas e voltou ao seu dever. Mas, o que era aquilo?! Um homem de cabelos brancos debruçava-se sobre a menina doente, examinando-a com atenção e carinho. Depois de falar pacientemente com os pais da criança, deu algumas ordens para que a garotinha recebesse o tratamento possível naquelas circunstâncias.

Mandou que comprassem remédios e pagou de seu próprio bolso. Sorriu para a criança, acariciou sua mãozinha e prosseguiu a caminhada pelos corredores, parando em cada maca, em cada paciente, em cada dor. O anjo mal podia acreditar! Um humano que não abria mão da dignidade e da solidariedade!

Sentiu de novo esperança. De que a pequenina se curasse e de que a humanidade não estivesse tão embotada em sua sensibilidade. Tinha sido apenas um gesto de um bom médico. Mas, se esse gesto se multiplicasse, se houvesse milhões de outros gestos de compaixão, honestidade, retidão...

Aí, talvez, houvesse mais riso e menos choro. Menos violência e mais amparo em um mundo regido por preconceitos de todos os matizes, intolerância levada às últimas consequências, miséria, raiva e falta de comprometimento com o semelhante. Mas, também, um mundo salpicado de ternura, solidariedade, lágrimas de saudade, poesia e amor.

A garotinha abriu os olhos e sorriu para os pais. Ele era um anjo-sem-nome, mas sabia que, agora, ela tinha chances de voltar a correr e sorrir, como em seu sonho. As cores e o brilho das luzes invadiam o pobre hospital. Afinal, ainda dava tempo de comemorar o Natal. E, apesar de tudo, acreditar no ser humano.
e Santos. Crítica com tempero de Natal.

sábado, 10 de setembro de 2016

João Vitor - 5 anos


    

                    ... E o garotinho já é um menino!



Eu, empolgada, aviso: “Segura o Camaro, que uma pessoa vai atravessar a pista!” E você, na mesma hora: “Não é Camaro, vovó, é Porsche!” Estamos no chão, brincando de carro (claro!) e você logo acrescenta, com suave condescendência: “É que você não conhece muito bem, não é, vovó?” Concordo imediatamente, reconhecendo minha ignorância e seu conhecimento sobre carros e marcas. E, sorrindo, vejo na minha frente não mais o garotinho, mas o menino que já faz observações precisas sobre a vida e as pessoas.

São cinco anos, meu amado João Vitor. Você é uma criança que continua adorando “brincar de carro” (acho que essa paixão vai acompanhar você por toda a vida), que ainda gosta muito dos relógios da casa dos vovós, que se diverte nos brinquedos dos parquinhos e que sabe fazer carinha de choro quando as coisas não correm como você gostaria.

Mas, já se percebe o quanto você cresceu de físico e mente. Cada vez mais sua personalidade se revela, suficientemente carinhosa para curtir beijos, abraços e afagos e devolvê-los com alegria. Você ainda está na fase dos “por quês?”, curioso para conhecer cada vez mais as engrenagens da vida, e mostra sua clareza de alma nas mais diversas oportunidades. Como quando “combina” comigo uma pequena travessura e diz: “Não conta para a mamãe. Depois eu conto.” E conta mesmo, sem esconder nenhum detalhe!

E que delícia correr pela casa atrás de você, segurando em seus ombros porque estou em seu “ônibus”! Uma tampa redonda de panela faz as vezes de direção, e paramos muitas vezes porque o “sinal ficou vermelho”. É a sua rica imaginação criando situações e ambientes de “faz de conta” para poder brincar, sozinho ou com seu irmãozinho, com seus familiares e amigos.

Os números, você continua tirando de letra. Ops! As letras, você também já conhece todas e já sabe juntá-las para escrever seu nome, os nomes dos papais e do irmão Luiz Felipe, ou Tite, como você o chama. Seu jeito vibrante lhe permite fazer amigos com facilidade, na escola, na piscina e em qualquer lugar aonde vá.

O que fascina em você é a dualidade da ingenuidade infantil e o raciocínio que chega com seus cinco anos. É você, feliz, brincando com carros e super-heróis, e concentrado, procurando entender por que no esporte – e na vida – se perde e se ganha. É você chamando os vovós para brincar e abraçando seu irmãozinho em atitude de proteção.

Imitado por ele em tudo – nos bons modos e nas travessuras, como é de se esperar – já assume o papel de “irmão mais velho” explicando-lhe pacientemente : “É assim que se faz, Tite!” Aliás, o amor entre vocês é palpável, o que não significa ausência de brigas e encrencas, como é praxe entre irmãos. Tudo selado com beijos e abraços, para felicidade da mamãe e do papai.

 Enfim, esse é você, João Vitor. Você cresceu, sim, já tem responsabilidades e horários, mas continua uma criança em sua mais pura essência. E por essa linda personalidade que já se delineia é que tenho certeza de seu futuro claro e feliz. Dedicação, perseverança, amor e confiança serão sempre seus guias. Os Céus o protegem e o amor de sua família e amigos o envolve. Creia que esse amor dos que o rodeiam, que você sabe conquistar, estará sempre brilhando, para iluminar seus caminhos.

sábado, 23 de julho de 2016

Crônica: sobre nossas crianças


                              A deusa e a mãe chinesas

 

Uma pequena lenda chinesa conta que certa deusa, ao receber o pedido de uma mãe desesperada, para que salvasse seu pequeno filho da febre altíssima, que ameaçava levá-lo, apenas sorriu. Não fez um gesto para curar o garotinho, que acabou sucumbindo à doença.

         A jovem mãe, sozinha no mundo e sofrendo muito com a morte do filho, “brigou” com a deusa e dela não quis mais ouvir falar. Poucos meses depois, morreu de tristeza, mas, ao acordar, teve grande surpresa: perto da deusa, lá estava seu filhinho, que, quando viu a mãe, correu feliz para seus braços.

         A mãe não entendia. E não perdoava. Questionou a deusa sobre o porquê de não ter salvo a criança. A deusa voltou a sorrir: “Eu queria seu filho, sua alegria, sua beleza e seu carinho para mim. Eu o trouxe, mas ele não era a mesma criança, não era feliz sem o seu amor. Por isso você veio. Eu quero esse pequeno para alegrar os céus, mas isso só é possível se ele tiver seu amor”.

         A lenda, uma rápida ode ao amor materno, não conta se os três viveram felizes para sempre. Mas, nos leva a paralelos com tristes acontecimentos que nos assombram todos os dias. Crianças vítimas de acidentes da natureza ou humanos, abandonadas ao próprio destino, definhando e morrendo de frio, de fome, do desinteresse de pais ausentes, miseráveis ou drogados. Recém-nascidos deixados para morrer.

Crianças praticando ataques suicidas porque monstros inescrupulosos usaram a religião para enganá-las com falsas promessas de felicidade no além. Crianças vítimas de atos terroristas ou tragicamente mortas durante a fuga desse terror. É então que muitos de nós, abalados por todas essas tristes notícias, clamamos: “E onde estava Deus, que não salvou esses inocentes?” Ou pensamos que, como na lenda chinesa, os Céus quiseram esses pequenos para ficarem mais alegres.

Mas, seria preciso tanto sofrimento apenas para esses anjos irem alegrar os Céus? Não, não é de Deus a culpa, é nossa! Somos nós que não amamos nossas crianças como a mãe chinesa amava. Não fiscalizamos legisladores e governantes; nossos professores são mal pagos e desinteressados; nossas crianças não têm segurança e sofrem nos hospitais sem médicos e equipamentos, ou são abandonadas em orfanatos.

Famílias desestruturadas, estresse e falta de amor levam a atos monstruosos de pais, parentes e cuidadores, maltratando (e até assassinando) crianças, apenas por serem desobediente ou chorarem muito alto. Expressiva parte da sociedade está fechada para a solidariedade, pensando apenas no lucro financeiro e no poder. É a avassaladora corrupção de governos, empresas e pessoas, que, nem por um minuto, pensam nas crianças malabaristas ou pedintes dos faróis de trânsito, que encontram todos os dias, sem vê-las.

 Não, não é de Deus a culpa, mas nossa. Porque perdemos de vista nossa humanidade. Vai levar muito tempo para recuperá-la. Talvez, começando já, com pequenos gestos de paciência, de orientação, de cuidados com os pequenos. Com firmes posturas de cobrança dos responsáveis por sua triste condição.

Na lenda chinesa, só o amor de mãe foi capaz de fazer renascer a alegria do filho. Será que teremos amor bastante para fazer voltar a brilhar de alegria os olhos das crianças sofredoras deste enlouquecido Planeta? Afinal, os Céus podem esperar para recebê-las. É preciso fazer sua infância feliz aqui e agora.

  

 

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Luiz Felipe - 2 anos


Aqui, um resumo das emoções vividas em dois anos de convivência com meu netinho Luiz Felipe.

           

                        Sorriso sinônimo de luz

  

            Quando você chega com aquele infalível sorriso no rostinho, é como se todo o ambiente se inundasse de luz. Sua expressão de alegria, seus gestos e pequenas palavras e sílabas demonstrando seu contentamento em me ver equivalem a mil anos de felicidade. Porque é assim que eu me sinto quando me encontro com você, Luiz Felipe, meu netinho muito amado.

            É felicidade de avó, aquela que nem cabe no peito. E eu olho à minha volta, e vejo o vovô Paulo rindo como criança com a sua presença. E vovó Janne e vovô Santi de olhos brilhantes, observando sua agitação. Mamãe e papai sorriem, e, quando Memê, Pepê e amigos queridos estão presentes, então, é uma festa.

            O irmããoo...  Joããoo... – como você o chama – corre rindo e pulando, e você, que já sabe fazer charme, foge dos meus braços estendidos, mas para logo depois, e olha para trás, para ver se eu ainda estou em posição de abraço. E quando, finalmente, eu pego você no colo, são tantos beijos e abraços, que, por mim, poderiam durar para sempre.

            É o Tite – foi assim que João Vitor começou a chamar você, e é assim que todos o chamamos muitas vezes – na singeleza de seus dois anos. É o nosso nenê de olhos grandes e brilhantes que cresceu, e agora é uma criança linda, que ri muito com as cócegas do vovô Paulo e se aconchega em meus braços quando, em meio às suas peraltices, cai e vem me mostrar o “dodói”.

            É o Luiz Felipe, que não fica quieto nem por um minuto, que chama “vovóóó” bem alto, quase gritando. Que – como o irmãozinho – adora brincar de carro. Que já sabe ficar bravo quando as coisas não correm como quer; que não reclama quando lhe dizem “não”, mas faz exatamente da maneira como pretendia.

            Enfim, você já mostra traços de personalidade forte e muito, muito amorosa. Persistente, não desiste fácil das coisas e é capaz de repetir uma “graça” muitas vezes, só para ver a gente dar risada e rir junto. Entende o que lhe pedem, conhece personagens dos desenhos animados pelos nomes e também se encanta com o esconde-esconde, que aprendeu observando o João Vitor brincar.

            Volta exausto da escola, de tanto correr e brincar, adora música ritmada e dança no ritmo certo. Sol, praia, mar e piscina são seus amigos e a sua atração por água é evidente desde muito cedo. O som das badaladas dos relógios também o fascina, como sempre fascinou seu irmão. Enfim, você descobre o mundo aos poucos e nós, encantados, observamos esse seu desabrochar.

            Nesses dois anos em que convivemos com você, a vida, que já tinha sido salpicada de pó de estrelas com a chegada de seu irmão, ficou ainda mais brilhante e colorida. Que a sua jornada por este nosso Planeta seja sempre acompanhada pela Mão Divina e que você seja tão feliz quanto a felicidade que espalha à sua volta. Continue sorrindo sempre, meu netinho querido, que os anjos, por certo, sorriem junto com você.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Carnaval de antigamente

A alegria e espontaneidade do Carnaval de algumas décadas passadas é o tema da crônica publicada hoje, na "Tribuna Livre" do jornal "A Tribuna". Saudades dessa época!!!


                                       Entre “Dengosas” e “Favoritas”

 Eu, nos ombros do meu pai, ansiosa por ver passar aqueles (aos meus olhos de criança, pareciam) deslumbrantes vestidos longos, de festa. As mais lindas cores, os brilhos dos bordados de lantejoulas, os babados, as rendas e a alegria de quem os desfilava. Eram os primeiros desfiles a que eu assistia na vida, e, em vez do som das passarelas, eram realizados ao ritmo de marchinhas e sambas.

            Sim, eram desfiles de carnaval. No lugar das lindas e magérrimas modelos da atualidade, rapazes engraçados, com seus rostos maquiados por mães, esposas e irmãs, que se empenhavam em transformá-los (dentro do possível) em bonitas “Dengosas do Marapé” ou em “Favoritas do Sultão”.

            Esses eram dois dos principais blocos de carnaval, que disputavam o título de melhor do ano. E que capricho nas fantasias, nos (hoje) simples carros alegóricos! E que delícia vê-los jogando confete, serpentina e (sim, na época, podia!) lança-perfume neles mesmos e na plateia! Não eram drag queens, simplesmente homens que, uma vez por ano, no carnaval, se divertiam desfilando em suas coloridas fantasias.

            As pessoas se aglomeravam e acomodavam como podiam, por trás de cordas de isolamento, sem arquibancada ou camarote. E quantas pequenas brigam aconteciam porque alguém mais alto se postava na frente de outros ou porque, em dias de chuva, os guarda-chuvas atrapalhavam a visão!

            Os “guardas”, devidamente uniformizados, policiavam as ruas do Centro ou do Gonzaga, onde eram realizados os desfiles, e, em geral, evitavam ocorrências de maior porte. Nos salões dos clubes sociais, lindamente decorados, as fantasias eram luxuosas, e os bailes noturnos e matinês, extremamente concorridos, um sucesso!

 E havia ainda, no sábado antes da semana do carnaval, o desfile da “Dona Doroteia, vamos furar aquela onda?”, promovido pelo Clube de Regatas Saldanha da Gama, onde, mais uma vez, os homens se vestiam de mulher, apenas pelo prazer de brincar, pela oportunidade de fazer críticas políticas e sociais. E tudo terminava em um banho de mar!

  Carnaval ingênuo? Talvez, se comparado ao de hoje, com seus grandes desfiles das escolas de samba, suas fantasias e carros alegóricos superproduzidos, suas belas mulheres seminuas, suas baterias com número de componentes superior ao de orquestras sinfônicas.

            Em compensação, a violência era muito menor, não havia o desfile anual das misérias do carnaval: drogas rolando soltas, excesso de álcool, acidentes fatais nas estradas, congestionamentos, estupros, assassinatos, preços extorsivos no comércio, roubos, brigas generalizadas e, infelizmente, muito mais.

            Evoluímos no espetáculo do carnaval, temos tendas onde a população canta e dança com som ao vivo (às vezes, perturbando o sossego da vizinhança), a TV mostra megadesfiles, e a tudo isso chamamos de progresso. Que, invariavelmente, vem acompanhado de tristezas e dramas.

            Afinal, não seria melhor gastarmos menos com este carnaval superproduzido – direcionando recursos para áreas prioritárias, como saúde e educação – e procurarmos um pouco da alegria autêntica dos carnavais passados? Eu, pelo menos, ainda que correndo o risco de ser chamada de saudosista, guardo nítida, na memória, a delícia de assistir às “Dengosas” e às “Favoritas”.