Ainda dá tempo!
O pequeno anjo-sem-nome (era apenas um soldado, não tinha
nome como os “comandantes” Gabriel, Rafael e Miguel) acordou em sua cama de
nuvens, mas nem teve tempo de se espreguiçar. O dever o chamava e ele tinha que
voltar logo para perto da garotinha que lhe tinha sido confiada. No caminho,
recordava-se do seu sonho, e, nele, a menina corria e ria, feliz como as
crianças de sua idade.
Uma pequena
esperança invadia seu coração de anjo, apesar da triste situação em que sua
protegida se encontrava. Quem sabe não tinha melhorado? Quem sabe não haviam
encontrado remédios eficazes para sua doença? Não tardou a aterrissar na
realidade. Deitada em maca no corredor do hospital sem recursos, a menininha definhava.
As lágrimas de seus pais comoviam. Era demais até mesmo para um anjo-sem-nome!
Seu dever
era estar ao lado da criança, confortando-a da melhor maneira possível, e foi o
que fez. A pequena se acalmou, e ele foi voar um pouco lá fora, pensando na
melhor maneira de ajudar. Olhava as luzes coloridas que enfeitavam a noite, à
espera do Natal. Conhecia bem os seres humanos, sabia que por trás de cada
luzinha podia haver alegria, saudade, amor, agradecimento e até lágrimas.
Belas
emoções, sim, mas de pouco adiantavam. Apesar de ser um anjo, não conseguia
perdoar os responsáveis pela precariedade daquele hospital. Por terem desviado
o dinheiro destinado a remédios, equipamentos e salários. Por não se importarem
com os pacientes humildes, que morriam sem assistência.
Indignava-se
ao se lembrar de tantas outras crianças doentes em hospitais como aquele. Não
entendia como podiam os homens comemorar a data, se não abraçavam o espírito do
Natal. Como podiam ser tão egoístas, desonestos e gananciosos.
Desanimado, o
anjo-sem-nome sentiu as próprias lágrimas e voltou ao seu dever. Mas, o que era
aquilo?! Um homem de cabelos brancos debruçava-se sobre a menina doente, examinando-a
com atenção e carinho. Depois de falar pacientemente com os pais da criança,
deu algumas ordens para que a garotinha recebesse o tratamento possível
naquelas circunstâncias.
Mandou que comprassem remédios e
pagou de seu próprio bolso. Sorriu para a criança, acariciou sua mãozinha e
prosseguiu a caminhada pelos corredores, parando em cada maca, em cada
paciente, em cada dor. O anjo mal podia acreditar! Um humano que não abria mão
da dignidade e da solidariedade!
Sentiu de novo esperança. De que a pequenina
se curasse e de que a humanidade não estivesse tão embotada em sua
sensibilidade. Tinha sido apenas um gesto de um bom médico. Mas, se esse gesto
se multiplicasse, se houvesse milhões de outros gestos de compaixão,
honestidade, retidão...
Aí, talvez, houvesse mais riso e
menos choro. Menos violência e mais amparo em um mundo regido por preconceitos
de todos os matizes, intolerância levada às últimas consequências, miséria,
raiva e falta de comprometimento com o semelhante. Mas, também, um mundo salpicado
de ternura, solidariedade, lágrimas de saudade, poesia e amor.
A garotinha abriu os olhos e sorriu
para os pais. Ele era um anjo-sem-nome, mas sabia que, agora, ela tinha chances
de voltar a correr e sorrir, como em seu sonho. As cores e o brilho das luzes
invadiam o pobre hospital. Afinal, ainda dava tempo de comemorar o Natal. E,
apesar de tudo, acreditar no ser humano.
e Santos. Crítica com tempero de Natal.