Por duas vezes, nos anos 2000, critiquei, em artigos publicados no jornal A Tribuna, a constante situação de abandono em que se encontra a Fonte do Itororó, ao pé do Monte Serrat. Agora, com a reforma do “Castelinho”, o antigo quartel dos Bombeiros, para ali ser instalada a Câmara dos Vereadores, talvez fosse hora de se lançar um cuidadoso olhar ao Itororó
Itororó para turista
nenhum pôr defeito
Não, não encontrei água. Muito menos bela morena. A Fonte do Itororó continua seca, tristemente estéril. Se nos versos da canção de roda não se encontra água, mas sim bela morena para com o cantor fazer par, na verdadeira Fonte do Itororó, nem uma coisa nem outra. Ela permanece ali, quase abandonada, na base do Monte Serrat, bem no início do Caminho Monsenhor Moreira.
Podem muitos não saber, mas é a mesma Fonte do Itororó que inspirou os versos da canção de roda conhecida por várias gerações de brasileiros, aqueles que brincavam em quintais e calçadas, quando a TV e a Internet ainda não eram ditadoras. Versos que sobrevivem na memória e nas ingênuas brincadeiras de roda das crianças que moram longe dos grandes centros, em lugares onde o progresso ainda não conseguiu quebrar a magia.
São aqueles versos que teimosos memorialistas e folcloristas mantêm registrados em arquivos, gravações, fitas e História, acreditando que é importante cultivar a memória e a identidade de um povo. Pois a origem da canção, a fonte que inspirou os famosos versos, está ali mesmo, no pé do Monte Serrat, voltada para a rua asfaltada e estreita, muito usada por motoristas que querem fugir do trânsito da Av. São Francisco.
Passam todos por ali e nem olham, indiferentes à fonte, sem se lembrar da canção: “Eu fui no Itororó/ beber água não achei./ Achei bela morena/ que no Itororó deixei...” Mas a morena também não está lá. Se foi há muito, desencantada com a aridez do Itororó, temerosa da violência da Cidade. Só restou a fonte, pintada de azul, com azulejos lembrando a História. Sem nada quebrado, mas com o limo e a sujeira conquistando espaço.
O pior é ver seco o pequeno cano de onde deveria brotar água. É ver folhas mortas e papéis sujos onde deveria correr a água da fonte. Claro, ninguém deseja um milagre. A ocupação habitacional do Monte Serrat invalidou qualquer projeto de recuperação da qualidade da água da verdadeira Fonte do Itororó.
Até mesmo a utilização de tecnologia, como o equipamento para desinfecção e eliminação de bactérias de coliformes fecais, parece não ter obtido resultado, ou, pelo menos, ficou esquecido. Na verdade, a Fonte do Itororó não consegue – com raras exceções – sensibilizar suficientemente as Administrações Municipais para a sua potencialidade turística.
Já alternou momentos de total abandono com períodos em que a sua restauração atraía muitos visitantes. Já viveu a deterioração total e a pachorrenta manutenção que inclui camada de tinta e rápida limpeza dos azulejos. Ninguém se dá conta do sábio conselho da canção: “Aproveite minha gente,/ que esta noite não é nada./ Se não dormir agora/ dormirá de madrugada”.
E todos dormem. De dia, de noite, de madrugada e no ponto. Ao contrário de outras cidades turísticas, que até inventam atrações para serem visitadas, nós temos a atração, autêntica, antiga, legado de um tempo ingênuo e romântico, capaz de inspirar canções de roda.
Argumentos contrários à promoção turística da Fonte do Itororó devem ser examinados e discutidos. A segurança do visitante é um deles. Mas se a fonte está ao lado da subida do Monte Serrat, perto do acesso aos bondinhos que levam ao topo do morro, conclui-se que toda a área merece atenção e reforço de policiamento.
Se o espaço para sua possível repaginação é estreito, pensemos em alternativas. Afinal, há próprios da Prefeitura no local, não valeria a pena utilizar um pouco desse terreno para a instalação de bancos e vegetação que acolhessem hospitaleiramente o visitante?
A Fonte do Itororó e todo seu entorno, incluindo o acesso ao Monte Serrat – de onde, sempre é bom lembrar, se tem uma das mais belas vistas – e até a histórica construção que abriga o quartel dos Bombeiros, merecem estar incluídos no acertado projeto de revitalização do Centro.
Já que estamos levando tão a sério a nossa vocação e a nossa opção pelo turismo, estudemos com carinho o Itororó. Se a água original não pode ser bebida, que tal utilizarmos um simples cano com a boa água tratada da Sabesp? Só assim a placa afixada acima do cano seco, com os dizeres “Fonte do Itororó”, pareceria menos absurda.
O final da canção diz que alguém, quem sabe o santista, “entrará na roda,/ ficará sozinho”. Mas com trabalho e boa vontade poderemos responder: “Sozinho eu não fico/ nem hei de ficar/ porque eu tenho o turista/ para ser meu par!”
(Escrita em 2002)