Aqui, crônica publicada dia 27/11, na "Tribuna Livre", do jornal "A Tribuna", fazendo uma pequena homenagem póstuma ao musicista Cyro Gonçalves Dias Junior, ao mesmo tempo em que critico o marasmo cultural desta Cidade.
Esquecemos
nossas estrelas
Recebo um zap comparando “A Deusa da Minha Rua”, dos anos 40,
“Garota de Ipanema”, anos 50, e outras músicas que marcaram a MPB em várias
décadas mais recentes, todas exaltando a figura feminina, incrivelmente
criativas em letra e melodia, às atuais “popozudas”, “cachorras” e afins, com
seu palavreado vulgar, muitas vezes de baixo calão e até incitando à violência
contra a mulher.
Converso com uma amiga sobre programa de TV que debateu, com
seriedade, as dificuldades da cultura e da pesquisa científica patrocinadas
pelos governos, e lamentamos a falta de interesse da população pelo tema,
enquanto a maioria dos aparelhos de TV está sintonizada em novelas bíblicas ou
violentas, ou, ainda, em programas mundo-cão ou sobre a vida íntima dos
famosos.
Recordo entrevistas recentes de dirigentes e produtores culturais,
e nelas não há sequer menção à qualidade da produção artística, contentando-se os
primeiros – que nada entendem de arte – a ressaltar sua pseudoatuação em favor
da cultura, e os segundos, em divulgar seus shows, muitos deles medíocres, mas
que lhes garantem um bom retorno financeiro, uma vez que a população acorre em
massa e aplaude bovinamente de pé a esses “artistas”.
Ponho-me a imaginar o que pensam e sentem os verdadeiros artistas,
aqueles inspirados e transpirados autores e intérpretes de grandes obras ou
pequenas joias da música erudita, popular e de outras expressões artísticas.
Terá valido a pena sua dedicação à arte que exprime os dons da condição
humana?
E penso em Ciro Gonçalves Dias Júnior, que nos deixou há tão pouco
tempo, e em outros artistas com “A” maiúsculo, que também já fazem parte do
elenco celestial. E fico triste, muito triste. Talentos que, como Ciro,
mereciam ter seus nomes registrados na calçada da fama e no coração de seus
fãs. Mas, seus lugares estão vazios, à espera de serem preenchidos quando
houver o reconhecimento da sua ampla bagagem artístico-cultural, tantas vezes
esquecida pela mídia.
Pianista, concertista, professor, Ciro partiu e pouca gente soube.
Uma prova de que Santos precisa aprender a reconhecer e valorizar seus artistas
verdadeiros. Sua vida foi inteiramente dedicada à música e à preservação da
memória e obra de outra estrela do piano, Guiomar Novaes. Extremamente gentil,
demonstrava uma personalidade oposta à dos “monstros sagrados” da arte,
tratando a todos com simplicidade, simpatia e tranquilidade.
Recebeu importantes
prêmios, foi aplaudido em renomadas salas de concerto no Brasil e exterior,
ocupou seu espaço na Capital, gravou discos, conheceu a fama, sem dúvida. Sua
grande alegria era ensinar música, constatar o desabrochar de talentos. Mas,
Santos ficou devendo a Ciro. Ficou devendo a estrela muito mais brilhante do
que a que lhe coube. Uma estrela que se apagou tão imperceptivelmente, que
quase ninguém viu.
Acorde, minha Cidade! Troque pirotecnia por pérolas. Aplauda quem
merece ser aplaudido. Valorize seus bons artistas. Ciro foi um deles. Em Ciro
Gonçalves Dias Júnior, artista e ser humano se confundiram no talento e
caráter. Quantos mais deixaremos de aplaudir como merecem? Por quanto tempo
mais deixaremos próximos do esquecimento quem deve brilhar? Será que, em vez de
estrelas, não estamos aplaudindo toscas pedrinhas?