segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Lembrando Cyro


                        
Aqui, crônica publicada dia 27/11, na "Tribuna Livre", do jornal "A Tribuna", fazendo uma pequena homenagem póstuma ao musicista Cyro Gonçalves Dias Junior, ao mesmo tempo em que critico o marasmo cultural desta Cidade.

      Esquecemos nossas estrelas



Recebo um zap comparando “A Deusa da Minha Rua”, dos anos 40, “Garota de Ipanema”, anos 50, e outras músicas que marcaram a MPB em várias décadas mais recentes, todas exaltando a figura feminina, incrivelmente criativas em letra e melodia, às atuais “popozudas”, “cachorras” e afins, com seu palavreado vulgar, muitas vezes de baixo calão e até incitando à violência contra a mulher.

Converso com uma amiga sobre programa de TV que debateu, com seriedade, as dificuldades da cultura e da pesquisa científica patrocinadas pelos governos, e lamentamos a falta de interesse da população pelo tema, enquanto a maioria dos aparelhos de TV está sintonizada em novelas bíblicas ou violentas, ou, ainda, em programas mundo-cão ou sobre a vida íntima dos famosos.

Recordo entrevistas recentes de dirigentes e produtores culturais, e nelas não há sequer menção à qualidade da produção artística, contentando-se os primeiros – que nada entendem de arte – a ressaltar sua pseudoatuação em favor da cultura, e os segundos, em divulgar seus shows, muitos deles medíocres, mas que lhes garantem um bom retorno financeiro, uma vez que a população acorre em massa e aplaude bovinamente de pé a esses “artistas”.

Ponho-me a imaginar o que pensam e sentem os verdadeiros artistas, aqueles inspirados e transpirados autores e intérpretes de grandes obras ou pequenas joias da música erudita, popular e de outras expressões artísticas. Terá valido a pena sua dedicação à arte que exprime os dons da condição humana? 

E penso em Ciro Gonçalves Dias Júnior, que nos deixou há tão pouco tempo, e em outros artistas com “A” maiúsculo, que também já fazem parte do elenco celestial. E fico triste, muito triste. Talentos que, como Ciro, mereciam ter seus nomes registrados na calçada da fama e no coração de seus fãs. Mas, seus lugares estão vazios, à espera de serem preenchidos quando houver o reconhecimento da sua ampla bagagem artístico-cultural, tantas vezes esquecida pela mídia.  

Pianista, concertista, professor, Ciro partiu e pouca gente soube. Uma prova de que Santos precisa aprender a reconhecer e valorizar seus artistas verdadeiros. Sua vida foi inteiramente dedicada à música e à preservação da memória e obra de outra estrela do piano, Guiomar Novaes. Extremamente gentil, demonstrava uma personalidade oposta à dos “monstros sagrados” da arte, tratando a todos com simplicidade, simpatia e tranquilidade.

 Recebeu importantes prêmios, foi aplaudido em renomadas salas de concerto no Brasil e exterior, ocupou seu espaço na Capital, gravou discos, conheceu a fama, sem dúvida. Sua grande alegria era ensinar música, constatar o desabrochar de talentos. Mas, Santos ficou devendo a Ciro. Ficou devendo a estrela muito mais brilhante do que a que lhe coube. Uma estrela que se apagou tão imperceptivelmente, que quase ninguém viu.

Acorde, minha Cidade! Troque pirotecnia por pérolas. Aplauda quem merece ser aplaudido. Valorize seus bons artistas. Ciro foi um deles. Em Ciro Gonçalves Dias Júnior, artista e ser humano se confundiram no talento e caráter. Quantos mais deixaremos de aplaudir como merecem? Por quanto tempo mais deixaremos próximos do esquecimento quem deve brilhar? Será que, em vez de estrelas, não estamos aplaudindo toscas pedrinhas?