quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Em tempo de Natal


      Para marcar a época, aqui está crônica publicada hoje, 20/12, na "Tribuna Livre" do jornal "A Tribuna". Um pouco de esperança e também uma crítica à corrupção que domina o País.                                
                                    

                        Bonecas roubadas

                                               

Uma reportagem no jornal e a foto que ilustrava o assunto levaram a moça àquela área paupérrima, onde vivem os esquecidos pelo mundo. Era tempo de Natal, e ela, mesmo com receio da violência, decidiu ir. Tinha se emocionado com a reportagem: adultos, idosos e crianças vivendo em condições extremamente adversas, abrigados em arremedos de barracos, passando fome, a maioria doente, sem emprego. Mas, mesmo assim, esperavam o Natal com alguma ansiedade.

            Em especial a menininha da foto, cinco anos. Não ia à escola, vestia roupas herdadas da penca de irmãos mais velhos, e, muitas vezes, não tinha o que comer. Mas, em sua ingenuidade, sonhava com uma boneca. Qualquer uma, a que Papai Noel escolhesse!

            A moça decidiu ser o Papai Noel da garota. Comprou roupas novas para a menina, alimentos, guloseimas e... uma boneca, claro! Grande, bonita, que “falava” e “chorava”. E lá se foi para a comunidade carente. Causou surpresa por onde passava, sentiu-se vigiada pelos olheiros dos marginais que dominavam a área, mas não foi difícil encontrar o barraco.

             Foi recebida com desconfiança por todos, menos pela menina que ela logo identificou como sendo a da foto. Depois, vieram a descontração , a entrega dos presentes e o “gran finale”: a boneca! O que ela viu nos olhos da garotinha, nunca mais pôde esquecer. E o abraço que recebeu da criança foi um momento que se perpetuou em sua vida.

            Muitas outras vezes e em vários outros natais voltou ao local. Com presentes e itens essenciais à sobrevivência daquela família e de outras que ela conseguia ajudar. Encaminhou a menina à escola e se tornou uma espécie de conselheira daquelas pessoas. Por ser “do bem”, nunca foi incomodada pelos marginais. 

            Sua ajuda, sabia, era paliativa. Não se conformava com o abandono daquela gente por parte dos governantes. Mesmo assim, reuniu um grupo de amigos e, juntos, começaram a tornar menos difícil a vida da comunidade. Sabia que uma ínfima parte dos milhões (ou bilhões) roubados do povo pela corrupção seria suficiente para evitar toda aquela tragédia urbana. Dinheiro para saúde, educação, moradia... Dinheiro para mover a economia e gerar empregos, para neutralizar o crime, para dar dignidade e oportunidade àquelas pessoas.

            Mas não via arrependimento nos ladrões dessas vidas, nem mesmo quando apanhados pela lei. Revoltou-se, ficou deprimida, adoeceu. Não perdoava os ladrões das bonecas e bolas de tantas crianças aguardando a chegada de um Papai Noel que nunca viria.

            Era Natal outra vez, e ela precisava voltar à comunidade junto com o grupo de amigos. Foi, com muito esforço, achando uma bobagem o tal Espírito Natalino, sem perceber, no ar, o clima de solidariedade e amor. Alguma coisa havia mudado naquelas pessoas, havia esperança e ânimo. Emocionou-se, como sempre, ao abraçar a bonita e estudiosa adolescente em que havia se transformado a menininha da boneca.

Só entendeu que tinha posto em prática a mensagem do Aniversariante da época quando a garota lhe mostrou a antiga boneca, cuidadosamente guardada, e lhe disse: “Obrigada pela boneca. E por ter-me feito acreditar na existência de papais-noéis capazes de mudar nossas vidas”!