quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Battisti

Olá amigos. Aí vai a crônica de minha autoria, publicada no início deste ano, no jornal “A Tribuna”, de Santos.

O que é isso, senador?

O rumoroso caso Cesare Battisti continua a produzir “pérolas” de declarações e atitudes nada convencionais de envolvidos diretamente no assunto, autoridades e pessoas comuns, no Brasil, Itália e outros países. A ponto de o próprio Battisti declarar-se surpreendido com a repercussão que vem obtendo e o rebuliço que vem causando.

Não se pretende aqui discutir quem está certo ou errado, se o italiano matou alguém ou “apenas” participou de ações armadas em seu país durante os chamados anos de chumbo. A partir da divulgação da primeira notícia de concessão, pelo Brasil, de refúgio político – e, em consequência, de liberdade –, a um condenado à prisão perpétua na Itália, a bola de neve só fez aumentar.

Protestos veementes e ameaças por parte da Itália; possível – e desmentido – envolvimento da França no “imbroglio”; posições político-partidárias cada vez mais exacerbadas; situação individual transformada em caso de soberania nacional; entrada do Tribunal de Haia na encrenca; declarações do próprio Battisti passando imagem de bom moço e pai de família, apenas interessado em viver a vida na cidade que ele diz considerar realmente maravilhosa, o Rio de Janeiro.

Para completar, ele afirma nunca ter matado ninguém e que o julgamento à revelia em seu país foi político; diz que antigo companheiro o acusou pressionado pelo governo italiano; descreve as condições da prisão na Itália como “privação da luz do sol” e, portanto, como condenação à morte. E completa afirmando que vai trazer as duas filhas e a mãe delas para morar com ele, no Rio.

Do outro lado, políticos de diversos matizes se aproveitam da confusão em andamento para criticar com veemência o presidente e o ministro da Justiça. Declarações de possíveis vítimas de Battisti na Itália são fartamente divulgadas. E a bola de neve só faz aumentar...

A “cereja do bolo” foi a entrada para valer do senador Eduardo Suplicy na defesa do italiano e do governo brasileiro. Acostumado a visitar na cadeia pessoas acusadas ou condenadas por crimes graves, o senador, em nome de seu espírito humanitário – que, diga-se a bem da verdade, é realmente uma de suas características – tem ido ver Battisti na prisão.

Além de defendê-lo com veemência, já se propôs a pegar um avião e ir fazer o mesmo junto ao governo italiano (e eu aqui, fazendo planos e contas para visitar Roma, Veneza, Turim!...). Enquanto isso, crianças brasileiras são assassinadas sob os mais variados pretextos, de “queima de arquivo” a vingança contra pais ou mães.

A criminalidade é tão banalizada que a notícia de um latrocínio quase no quintal da nossa casa não assusta ninguém. A delicadeza e sensibilidade, até há pouco tempo escudos contra o desabrochar da violência feminina, são neutralizadas pela quantidade cada vez maior de crimes cometidos por mulheres. Os que são cometidos contra elas também crescem em quantidade e crueldade.

Nos morros, quando há ação policial, alguns moradores descem “indignados” para defender os traficantes. Brigas no trânsito resultam em mortes, trabalhadores em segurança são friamente assassinados por assaltantes, isso sem contar um elenco enorme de outros crimes, que vão de pedofilia ao “colarinho branco”.

É nesse cenário que o País se debate em torno de um italiano que nega ter sido terrorista e assassino e se declara escritor em busca da divulgação de seus ideais. De que lado está a verdade? A Justiça brasileira vai dar a última palavra? É uma questão de soberania nacional? Tudo pode se transformar em um problema internacional?

Estamos errados nesse enfoque da violência. Temos aqui questões muito graves a serem debatidas. Em vez de gastar energias discutindo o caso Battisti, deveríamos direcioná-las para começar a resolver nossos problemas, iniciando por uma polícia capaz e justamente remunerada e terminando pelo combate à miséria e pela disseminação, na medida do possível, entre jovens e crianças, de cultura e humanismo.

Em um país tropical, a bola de neve Battisti, tão aumentada pela mídia, deve ser derretida. No último dia 18 de dezembro, o aniversário do italiano foi comemorado na cadeia, com bolo e tudo, levado por amigos e até autoridades. Autoridades que deveriam voltar-se para nosso próprio “bolo” de desencontros e dificuldades. Quanto à cereja, é caso de se perguntar: “O que é isso, senador Suplicy?”