quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Natal 2019




Crônica publicada no último dia 24, na seção "Tribuna Livre", do jornal "A Tribuna"                           


               O Papai Noel baterista

                                                           



Todos orgulhosos, os dois meninos mostravam às visitas a Árvore de Natal que haviam ajudado a decorar. Mas, o mais velhinho logo apontou para os Papais Noéis de brinquedo perfilados em baixo da árvore: “Este, que tocava bateria, não toca mais”! E o menorzinho, igualmente pesaroso: “É, quebrou”! Os visitantes procuraram consolar os pequenos, mas logo o assunto foi esquecido.

Menos pelos dois anjos da guarda dos meninos, que, agora, tinham uma preocupação: não deixar os pequenos – que não acreditavam em Papai Noel de verdade – ficarem tristes com o brinquedo que não mais tocava bateria. O anjo um pouco maior e já mais realista tentava explicar ao menor que, há muito, a humanidade deixara de acreditar em Papai Noel. E – pior! – deixara também de se importar com os valores que a época colocava em evidência, como amor e fraternidade.

            Eles mesmos, anjos-crianças, sabiam que Papai Noel não existe. Mas queriam ajudar seus protegidos, e decidiram que iam fazer os meninos sonhar o mesmo sonho. Juntos, os quatro voaram pela Terra, às vezes encantados com a beleza de luzes e paisagens, outras, tristes pela realidade de devastação e miséria. Queriam proporcionar uma noite divertida aos meninos, porém a realidade se sobrepunha: eram muitos os contrastes de vida e de sentimentos.

            Mas, alguma coisa estava diferente. A noite estava mais iluminada, havia música subindo da Terra e várias pessoas usando roupa vermelha, com barba branca e carregando um saco às costas. Eles conheciam a figura, mas, como não acreditavam, nunca tinham visto Papai Noel de verdade. Meninos e anjos foram se aproximando das pessoas e constatando a alegria que aquelas figuras de vermelho causavam não só em crianças, mas também em adultos.

 Havia Papais Noéis de todos os tipos, vestidos de cetim ou veludo vermelho, distribuindo presentes em ambientes ricamente decorados, e também havia outros, usando tecidos simples de vermelho já desbotado, mas igualmente distribuindo doces, brinquedos baratos e esperança em lugares feios e tristes.

            Estavam tão distraídos, que nem notaram a aproximação de um trenó puxado por renas, deslocando-se no ar. Só quando foram saudados pela figura de vermelho, perceberam que, pela primeira vez, estavam vendo Papai Noel. Que, aliás, não se fez de rogado, e logo foi mostrando como o Natal transforma boa parte da humanidade. Crianças tristes e solitárias estavam felizes com seus ricos ou pobres brinquedos; adultos acabrunhados abriam seus corações à esperança de receber saúde, amor e felicidade. “É Noite de Natal, quando as pessoas se recordam da mensagem de paz e amor trazida à Terra por um Ser Iluminado, há 2019 anos. É quando o mal é suplantado pelo bem, em inúmeros corações”.

            Mas, crianças e anjos só tinham uma pergunta: então, Papai Noel existe?! “Sim, para muitas crianças. Os outros dizem que não há Papai Noel, mas, no fundo, nunca se sabe... O Natal é mágico”! E, todo animado, propôs uma festa para celebrar o Natal. Todos concordaram e Papai Noel foi logo assumindo as baquetas de uma... reluzente bateria! Foi assim que a música da Noite de Natal rolou animada até o amanhecer.

 Quando acordaram, os meninos correram para ver o Papai Noel baterista, em baixo da Árvore de Natal. Mas, ele continuava lá, quietinho, ao lado dos outros brinquedos. Compreenderam que tinha sido uma noite de fantasia, para celebrar o amor. Voando por sobre eles, os dois anjinhos da guarda piscaram, felizes, um para o outro.

Viva a "Répública"!


                              
Publicada em 15 de novembro deste ano, na seção "Tribuna Livre", do jornal "A Tribuna"


                 República reciclada





“Mas, isto é uma “répública” (assim mesmo, com o “é” aberto)!” Ouvi muito essa frase em tempos de criança, dita por avós e pessoas mais velhas. O sentido, hoje entendo, era pejorativo, o mesmo que dizer “isto é uma bagunça!” Referia-se quase sempre a algum acontecimento político ou à situação do País, mas também podia se referir ao convívio em família, às relações com amigos e com a sociedade em geral.

Nestes casos, era uma crítica à falta de responsabilidade, que gerava confusão e desordem. Herança do regime monárquico, que via a república como um tipo de governo em que cada um faz o que quer, como bem entende. Hoje, república, palavra originada do latim “res publica”, coisa pública, assumiu no Brasil seu verdadeiro e solene sentido, de regime de governo eleito pelo povo. Sistema político originado na Roma Antiga, a república tem uma longa e rica História, com basilares autores e obras literárias.

Mas, convenhamos, atualmente, no Brasil, a República anda precisando de reciclagem. Nestes 130 anos de existência no País, desde a sua proclamação em 15 de novembro de 1889, passou por muita coisa, de períodos sombrios a épocas de glória. Marechal Deodoro da Fonseca, à frente de um grupo de militares, a proclamou na Praça da Aclamação, atual Praça da República, no Rio de Janeiro, então capital do Império.

D. Pedro II, a família real e políticos fiéis ao imperador e ao regime até então em vigor, de monarquia constitucional parlamentarista, foram mandados para a Europa, e teve início o regime republicano no Brasil. Hoje, pouco se recorda desse fato histórico, e há até correntes de ensino que abominam o estudo da História, preferindo se debruçar sobre a atualidade. Para mim, uma espécie de construção de edifício sem alicerces!

Mas, afinal, estamos em uma república! E o que mais se tem ouvido ultimamente, na mídia, é o termo “não republicano”. É não republicana a fala de um político ou de um jurista, é não republicano o posicionamento de alguém famoso. A Internet, em sua velocidade vertiginosa, ajuda a divulgar o conceito, e o cidadão comum, homem do povo com suas infindáveis dificuldades, pouco se importa se alguma coisa é ou não republicana.

Aliás, nem entende muito bem essa expressão, o que deseja mesmo é minimizar seus problemas, com ou sem atitudes republicanas. Ele quer, por exemplo, ver o dinheiro de seus impostos revertido para a saúde, educação, alimentação, habitação etc. Não suporta pensar na corrupção de políticos e na ausência de punição para eles.

Quer emprego e, quando empregado, não quer viver sob a constante ameaça de desemprego. Quer Executivo e Legislativo que busquem a solução de problemas fundamentais e não se percam em intrigas de bastidores; quer Justiça imparcial, mas não cega aos interesses da população.

Ao longo dos séculos, o conceito de república sofreu muitas alterações, e, hoje, é tomada, muitas vezes, como sinônimo de democracia. Sua história é muito rica, os muitos autores e pensadores que contribuíram para sua edificação são reverenciados.

Mas, fiquemos com Cícero, que em sua obra “De Republica”, baseava-a na liberdade do povo, autoridade do senado e competência dos juízes. Não estará na hora de reciclarmos esse tripé, com um povo livre, que possa levar vida digna, e com legisladores e juízes honestos, responsáveis e competentes? Só assim república não será sinônimo de bagunça e o pejorativo “répública” cairá definitivamente em desuso!     



        

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

João Vitor - 8 anos


                                            


                              O craque João

                                                           



Quando, há exatos oito anos, conheci você, um lindo bebê aconchegado à sua mamãe, e meus olhos se encheram de lágrimas de avó emocionada, era muito difícil imaginá-lo como é hoje, João Vitor, um garoto inteligente e esperto, ativo, que adora uma brincadeira e que – avó pode falar! – continua lindo.

       Você conquista as pessoas, crianças e adultos, e tem muitos amigos. É alegre, adora uma brincadeira de moleque, mas também demonstra sensibilidade, não esconde sentimentos. Na música, esse aspecto de sua personalidade aflora. Você canta, muito sério e afinado, as músicas de sua playlist de alta qualidade (influência do papai e da mamãe). Sua expressão facial, rara em um menino de sua idade, indica o quanto você se envolve com a canção e fica feliz quando a pequena plateia doméstica presta atenção e aplaude.

Rodeado pelo amor da mamãe, do papai e do irmão Luiz Felipe, cresce e se desenvolve rapidamente, retribuindo com seu jeito de menino o amor que recebe. Amor, aliás, que se estende aos vovós, familiares e amigos. Para nós, você e o Tite são personagens marcantes na história de nossas vidas. Aqueles que, mesmo quando fisicamente ausentes, estão ali, bem juntinho a nós, em nosso pensamento, revivendo momentos e brincadeiras inesquecíveis.

E o futebol? Ah! o futebol!... Suas atividades são diversas, da escola e lições de casa à natação e capoeira, passando pelas aulas de inglês e teatro, corridas e brincadeiras com os amigos, mas o futebol tem um lugar especial. O fascínio da bola rolando o alcançou, e qualquer lugar pode virar um “campinho”: a área onde você joga e aprende as regras desse esporte (até medalha já ganhou!), a quadra do prédio, a praia (quando vai à casa dos vovós Janne e Santiago) e, em dias de chuva,  até o corredor do apartamento dos vovós Ana e Paulo.

Além dos amigos, qualquer pessoa da família serve para parceiro de “pelada”. Mamãe pode ser craque, mas papai, vovós Janne, Santiago e Paulo também são “escalados”, e até esta vovó Ana já foi goleira! O que você não sabe é o orgulho do palmeirense vovô Paulo – que também já foi craque – de vê-lo jogar. E, torcer para o time do coração!

Em viagem a hotel-fazenda, não perdeu um dia de futebol, participou de todas as atividades, da piscina e pescaria ao passeio a cavalo, mas o que mais o empolgou foram as bicicletas. Curtiu tudo e até participou, com o Tite, da “encenação” das crianças, organizada pelos monitores, na última noite da temporada. E o melhor: apesar de, antes, dizerem que não queriam participar, ambos se divertiram e se saíram muito bem! Ganharam até as miniaturas dos carros que queriam: você, o Santa Fé (finalmente! custou para encontrar!) e o Luiz Felipe, um carro de polícia, claro!

Quando você vai a Serra Negra, às vezes passa na casa das tias Antonia e Nilde, deixando-as muito felizes. Elas dizem que você é um lorde e o Tite, um serelepe, mas logo você se encarrega de mostrar que é tão serelepe quanto ele, correndo pela casa e “aprontando” nas redes de balanço da varanda.

Em Serra Negra, programa imperdível dos dois é disputar corrida na praça, andar nos carrinhos e no trenzinho. E – não pode faltar! – tomar sorvete na sorveteria do fundo da praça. Agora, que estão maiores, acrescentou-se um novo programa: subir de teleférico até a estátua do Cristo. No colo da mamãe e do papai, claro, que essa “aventura” é nova e o teleférico, muito alto!

Mas você, João Vitor, apesar de conservar esse aspecto criança, começa a amadurecer de um jeito que, às vezes, me pega de surpresa: na escola, fenômenos da natureza foram temas de discussão, e você quis saber depois, de Memê Rosário e Pepê Philippe, como é viver em um lugar onde há vulcões e podem ocorrer terremotos. Foi um papo sério, de gente grande, e, no final, você ficou tranquilo com a garantia de que em nosso País, apesar dos muitos problemas, esses não nos afetam.

Já demonstra interesse por jogos de números e raciocínio – adora Banco Imobiliário! – e gosta de ver prédios bonitos, se possível, conhecendo os apartamentos em exposição. Um dia, fomos, vovós Janne e Ana, além do Tite, conhecer por dentro um edifício que você sempre achou bonito. Na saída, em sua adorável ingenuidade, declarou: “Quando eu crescer, vou comprar um apartamento aqui”!

Será que a arquitetura está no sangue, como vovô Santi? E será que “puxou” ao vovô Paulo, quando para nas vitrines para apreciar os relógios de pulso e até pede informações à vendedora? Que, aliás, o olha um pouco espantada, mas não se furta a responder às suas perguntas!

Você é assim, meu querido João. Quando está conversando, pergunta o significado de todas as palavras que não conhece, e não se contenta com um simples sinônimo, quer entender o significado total. E quando você deseja alguma coisa que lhe é negada, utiliza todos os argumentos e explicações, na tentativa de convencer mamãe ou papai, até chegar ao “porque sim!” ou “porque não!” Nem sempre dá certo!

Nesse caminho de descoberta do mundo, um dia eu lhe explicava como as atitudes positivas dão melhor resultado do que as negativas. Você ouviu atentamente, até concordou, mas tinha uma pergunta: “E onde você aprendeu isso, vovó?”

Essa criança esperta e adorável é você. Como toda criança, leva bronca da mamãe e do papai, quando preciso. Mas ganha deles, também, muitos beijos e abraços. Mamãe continua sinônimo de amor, refúgio e muitas brincadeiras. Papai, igualmente, é amor, exemplo e diversão. Com o Tite, como é natural, brinca, briga e às vezes assume a postura de irmão mais velho. Mas demonstra seu carinho em detalhes, como quando lhe perguntaram para quem ia a primeira fatia de um bolo. E você, rapidamente e acentuando o “meu”: “Para meu irmão!”

Meu amor por você, João Vitor, e seu irmão, é imensurável. Por isso, é muito grande a minha felicidade quando estou conversando por telefone com a mamãe e ela diz: “O João quer falar com você”. E ouço a sua voz, deliciosamente criança, dizendo “Oi, vovó!” É então que mato saudades, sinto você mais perto e peço aos Céus que continuem lhe protegendo pelos caminhos do amor, da retidão e da felicidade!



       



        

             

sábado, 27 de abril de 2019

Luiz Felipe - 5 anos


                                                  

                Uma “bike” nova para o pirata



Seus olhinhos, Tite, brilhavam observando a bicicleta nova e reluzente do seu irmão. João era só alegria, todos à volta fazendo festa, elogiando a Caloi preta Hot Wheels, aro 20, sem rodinhas. Você sorria, posava para as fotos com a bike e seu irmão. Até que, no meio de toda a festa, ouço a sua vozinha, um pouco tímida, mas determinada: “Você compra uma bicicleta nova pra mim também”?
            Não dá para resistir! Um pedido desses, feito com tanto charme e expectativa, tem que ser atendido. E foi assim que, no dia seguinte, a bicicleta pequenininha, com rodinhas, que já tinha sido do João e que você usara tanto, impulsionando-a com suas perninhas firmes e rápidas, foi substituída por uma reluzente bike azul, aro 16, decorada com temas do McQueen, nova, mas ainda com rodinhas. Que, aliás, não duraram muito tempo! Você logo pediu para tirá-las, sentindo-se um ciclista completo.
            E não é que deu certo? Você se esforçou tanto, que logo conseguiu se equilibrar na bicicleta sem rodinhas. Bem verdade que isso depois de vários gritos de recomendação da mamãe (“Vira para o outro lado! Olha a direção do guidão! Aperta o freio!”) e maratonas do papai correndo atrás de você e sua bicicleta, para evitar uma queda.
            Essa, Luiz Felipe, é apenas uma das lindas histórias desta fase de sua vida. Você chega aos cinco anos e nós, os vovós, como sempre, pensamos: “Mas, já?! Ele nasceu ontem mesmo”! Para nós, é difícil constatar que o nosso lindo bebê já é um garoto esperto e inteligente. Mas, continua lindo! E muito carinhoso.
            A carinha de sapeca é a sua marca registrada. Você apronta, e tem no rosto aquela expressão gaiata, de quem sabe que vai acabar provocando risos nos que estão à volta. Mas, na hora em que leva bronca da mamãe e do papai, por causa de uma desobediência ou uma arte maior, o rosto fica sério e, não raro, você usa o recurso das lágrimas para ver se acalma o ambiente.
            O amor incondicional pela mamãe continua firme e forte; com o papai, é uma relação de amor e alegria; com João Vitor, é aquela convivência linda de irmãos que se amam, mas, nem por isso, deixam de implicar um com o outro. Você continua gostando de imitar o João em vários aspectos, brincam juntos durante bons momentos, trocam informações sobre os joguinhos quando mamãe e papai deixam usar o tablet.
            Os vovós continuam sendo presença carinhosa em sua vida, e você demonstra seu amor com sorrisos e dengos capazes de derreter nossos corações. Mas, quando vovô Paulo vai lhe fazer cócegas, recebe um “para, vovô. Você está me irritando!” É a sua personalidade já se manifestando, forte e cheia do amor que logo se traduz em abraços e beijos no vovô.
            E quando vovô lhe perguntou se podia ir dormir na sua cama, você respondeu prontamente: “Não, você não cabe lá! Vai dormir na cama do João, que fica em cima. Aí, a cama vai quebrar e você vai cair. E o João nem vai ter onde dormir”! E a conversa surreal terminou em gostosas gargalhadas.
            Esta vovó Ana também já teve uma amostra dessa sua personalidade: uma noite, enquanto você jantava na casa da vovó, o relógio carrilhão tocou longamente, bem alto, e você me pediu: “Vovó, tira esse relógio daqui”? Surpresa, perguntei: “Você não gosta mais do relógio? Você e seu irmão gostavam tanto!” E você: “Não, ele é muito barulhento”! Outra vez, no banheiro do apartamento, você me pediu: “Troca esta pia, vovó. É muito pequena”! E eu: “Para trocar a pia, tenho que reformar este banheiro e tirar a banheira de que você tanto gosta”. E você, rapidamente: “Então, reforma o banheiro do seu quarto.” Conversa encerrada!
            É, você cresceu mesmo, Luiz Felipe! Continua gostando de carros de verdade e de brinquedo. Quando algum quebra, já se sabe: o vovô Santi vai consertar, tanto faz que seja em sua casa, em Santos ou na Praia da Baleia, onde você conta histórias de piratas para a vovó Janne e ganha muitos beijos e carinho. Aliás, água continua sendo atração para você, seja mar ou piscina. Na natação, vai muito bem, já procurando seu estilo. Na praia de Santos ou na Praia da Baleia, adora brincar na água e na areia, construindo castelos e pontes.
            Na escola, participa das atividades, já fez inúmeros amiguinhos, conquistou professoras e funcionários. Capoeira e, mais recentemente, teatro, são atividades imperdíveis, que você faz com prazer. Porém, há um prazer de que você não abre mão: chocolate. Você gosta muito, mas mamãe não deixa comer demais, para que não lhe faça mal.
            Um tipo de chocolate, em especial, é seu predileto: língua de gato, que vovô Paulo chama brincando de língua de vaca. E, para ver seu jeito, ele diz: “Tite, vovô esqueceu onde está guardada a língua de vaca”. Você corrige: “É língua de gato, vovô”! E sai correndo para ir buscar a caixinha no armário que você sabe muito bem qual é.
            Outro dia, na sua casa, após o jantar, você e João comeram língua de gato na sobremesa. Mamãe avisou: “Só duas, hein”?! Mas, você estava com muita vontade de comer mais uma. Então, observou bem mamãe, papai e João (temendo o dedo-duro do irmão). Vovós Ana e Janne também estavam presentes. Mas, você logo avaliou que não seriam ameaça, não contariam nada. Então, com uma rapidez digna de super-herói, pegou mais uma língua de gato da caixinha e colocou-a toda na boca, mastigando rapidamente, sem ninguém ver. Depois, feliz pelo sucesso do empreendimento, foi brincar com seus carrinhos!
            Criativo nas brincadeiras e nas histórias de pirata que conta, você, no entanto, não se desliga da realidade. Como na noite em que, para tentar fazer você dormir, inventei a história de um menininho que gostava muito de piratas. E você, imediatamente, identificou, sentando-se na cama: “Eu!” Mas, não desisti: continuei contando que o menininho havia dormido e sonhado que um pirata muito legal havia entrado em seu quarto e o convidado para viajar pelos céus em seu barco, que voava. O menininho aceitou e ambos, no sonho, saíram voando pela janela. E você, bem realista: “Mas, e a rede de proteção”? Quase desisti! Mas continuei, heroicamente, falando da viagem pelo céu em meio às estrelas, até o retorno ao quarto do menininho, que continuou sonhando em seu doce soninho. Aí, você já estava dormindo!
            Você é assim, Luiz Felipe, nosso querido Tite. Estrela de nossas vidas, sempre sorrindo e pronto para uma brincadeira. Que essa estrela continue a brilhar, para que seus iluminados caminhos o levem por uma vida de realizações e felicidade. Que seu amor continue a transbordar, para que, no futuro, nunca se perca essa criança maravilhosa que sabe nos fazer tão felizes.     
         
                  

sábado, 2 de março de 2019

Rir e chorar





                         As duas máscaras

                                                                       

            Há um símbolo artístico, que traduz muito bem as emoções humanas: as duas máscaras teatrais. Colocando entrelaçados o riso e o choro, a alegria e a tristeza, não poderia ser mais adequado aos dias que estamos vivendo. Não há consenso sobre a origem da palavra máscara: do latim “masca”, ou seja, fantasma; do hebraico “masecha”, zombaria, ou do árabe “maskhara”, palhaço. Mas, os três estão muito próximos da nossa realidade.

            Enquanto uma parte da população já vive o Carnaval, atirando-se na folia das bandas, ensaiando para seguir os trios elétricos, preparando a fantasia para desfilar na avenida e comprando máscaras – sempre elas! – que reproduzem personagens famosos, outra parte ainda chora as tragédias-2019, uma triste marca deste início de ano.

            Na verdade, a história das máscaras sempre esteve ligada às emoções. Na commedia dell´arte, com as paixões, dramas e alegrias de Arlequins, Colombinas e Pierrôs; no Carnaval veneziano; nos rituais fúnebres; nas danças de sociedades milenares integradas à natureza; em eventos sociais e ajudando a compor fantasias de Carnaval, que liberam criatividade e sentimentos.

            São máscaras de dor e riso assumidas não só física, como emocionalmente. Ou serão mesmo autênticos o desconsolo e a tristeza demonstrados na mídia por responsáveis pelas recentes tragédias? E será sincero o conformismo de algumas vítimas?

            Em meio à dor profunda, chegam a defender seus algozes, alegando que não havia como prever o colapso, a enchente ou o fogo. E, até, que as instalações destruídas e arrasadas, eram “de primeiro mundo”! São as máscaras afiveladas por quem gostaria de gritar sua revolta, mas prefere se calar, temendo futuras consequências e, até, na expectativa de recompensas.

            Estes são os fantasmas que vagam com máscaras, a disfarçar suas verdadeiras emoções. Os outros, quando em público, não se esquecem de usar a máscara da dor, quando, na verdade, estão zombando de uma Nação. E nós somos os palhaços – no mau sentido –, que usamos a máscara da indignação, mas sabemos, perfeitamente, que pouco ou nada será mudado e que as tragédias continuarão se sucedendo.

            E, como é Carnaval, vamos escolhendo as mais bonitas e coloridas máscaras da alegria, da cor, da música. É tempo de rir para a Folia, de pular e sambar até “cair no chão”, ou, até, de organizar, sorridentes, aquela viagem, em que descansaremos junto à natureza e nos divertiremos com nossas famílias.

            O medo que sentimos da violência, dos bêbados e drogados, dos acidentes de trânsito, da irresponsabilidade, é escondido por nossas máscaras. Continua no ar o clima pesado da tragédia. Pensamos na brevidade e fragilidade da vida quando lembramos da partida repentina de famoso jornalista.

            Sofremos, mas temos que demonstrar ao mundo outro tipo de sentimento. E nos esquecemos de que a vida é um palco, onde as duas máscaras têm peso igual. E, com nossa máscara de indiferença, damos adeus à grande dama do teatro, que durante sua longa vida soube sempre interpretar com equidade as duas emoções.

            É Carnaval! Arlequins, Pierrôs, Colombinas e, principalmente, palhaços coloridos estão nas ruas. A máscara é a do riso. Porém, entrelaçada e intimamente ligada a ela, está a máscara por onde escorrem nossas lágrimas!