Entre “Dengosas” e “Favoritas”
Sim, eram
desfiles de carnaval. No lugar das lindas e magérrimas modelos da atualidade, rapazes
engraçados, com seus rostos maquiados por mães, esposas e irmãs, que se
empenhavam em transformá-los (dentro do possível) em bonitas “Dengosas do
Marapé” ou em “Favoritas do Sultão”.
Esses eram
dois dos principais blocos de carnaval, que disputavam o título de melhor do
ano. E que capricho nas fantasias, nos (hoje) simples carros alegóricos! E que
delícia vê-los jogando confete, serpentina e (sim, na época, podia!)
lança-perfume neles mesmos e na plateia! Não eram drag queens, simplesmente
homens que, uma vez por ano, no carnaval, se divertiam desfilando em suas coloridas
fantasias.
As pessoas
se aglomeravam e acomodavam como podiam, por trás de cordas de isolamento, sem
arquibancada ou camarote. E quantas pequenas brigam aconteciam porque alguém
mais alto se postava na frente de outros ou porque, em dias de chuva, os
guarda-chuvas atrapalhavam a visão!
Os
“guardas”, devidamente uniformizados, policiavam as ruas do Centro ou do
Gonzaga, onde eram realizados os desfiles, e, em geral, evitavam ocorrências de
maior porte. Nos salões dos clubes sociais, lindamente decorados, as fantasias
eram luxuosas, e os bailes noturnos e matinês, extremamente concorridos, um
sucesso!
E havia ainda, no sábado antes da semana do
carnaval, o desfile da “Dona Doroteia, vamos furar aquela onda?”, promovido
pelo Clube de Regatas Saldanha da Gama, onde, mais uma vez, os homens se
vestiam de mulher, apenas pelo prazer de brincar, pela oportunidade de fazer
críticas políticas e sociais. E tudo terminava em um banho de mar!
Carnaval ingênuo? Talvez, se comparado ao de
hoje, com seus grandes desfiles das escolas de samba, suas fantasias e carros
alegóricos superproduzidos, suas belas mulheres seminuas, suas baterias com
número de componentes superior ao de orquestras sinfônicas.
Em
compensação, a violência era muito menor, não havia o desfile anual das misérias
do carnaval: drogas rolando soltas, excesso de álcool, acidentes fatais nas
estradas, congestionamentos, estupros, assassinatos, preços extorsivos no
comércio, roubos, brigas generalizadas e, infelizmente, muito mais.
Evoluímos no
espetáculo do carnaval, temos tendas onde a população canta e dança com som ao
vivo (às vezes, perturbando o sossego da vizinhança), a TV mostra megadesfiles,
e a tudo isso chamamos de progresso. Que, invariavelmente, vem acompanhado de
tristezas e dramas.
Afinal, não
seria melhor gastarmos menos com este carnaval superproduzido – direcionando
recursos para áreas prioritárias, como saúde e educação – e procurarmos um
pouco da alegria autêntica dos carnavais passados? Eu, pelo menos, ainda que correndo
o risco de ser chamada de saudosista, guardo nítida, na memória, a delícia de
assistir às “Dengosas” e às “Favoritas”.