quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Carnaval de antigamente

A alegria e espontaneidade do Carnaval de algumas décadas passadas é o tema da crônica publicada hoje, na "Tribuna Livre" do jornal "A Tribuna". Saudades dessa época!!!


                                       Entre “Dengosas” e “Favoritas”

 Eu, nos ombros do meu pai, ansiosa por ver passar aqueles (aos meus olhos de criança, pareciam) deslumbrantes vestidos longos, de festa. As mais lindas cores, os brilhos dos bordados de lantejoulas, os babados, as rendas e a alegria de quem os desfilava. Eram os primeiros desfiles a que eu assistia na vida, e, em vez do som das passarelas, eram realizados ao ritmo de marchinhas e sambas.

            Sim, eram desfiles de carnaval. No lugar das lindas e magérrimas modelos da atualidade, rapazes engraçados, com seus rostos maquiados por mães, esposas e irmãs, que se empenhavam em transformá-los (dentro do possível) em bonitas “Dengosas do Marapé” ou em “Favoritas do Sultão”.

            Esses eram dois dos principais blocos de carnaval, que disputavam o título de melhor do ano. E que capricho nas fantasias, nos (hoje) simples carros alegóricos! E que delícia vê-los jogando confete, serpentina e (sim, na época, podia!) lança-perfume neles mesmos e na plateia! Não eram drag queens, simplesmente homens que, uma vez por ano, no carnaval, se divertiam desfilando em suas coloridas fantasias.

            As pessoas se aglomeravam e acomodavam como podiam, por trás de cordas de isolamento, sem arquibancada ou camarote. E quantas pequenas brigam aconteciam porque alguém mais alto se postava na frente de outros ou porque, em dias de chuva, os guarda-chuvas atrapalhavam a visão!

            Os “guardas”, devidamente uniformizados, policiavam as ruas do Centro ou do Gonzaga, onde eram realizados os desfiles, e, em geral, evitavam ocorrências de maior porte. Nos salões dos clubes sociais, lindamente decorados, as fantasias eram luxuosas, e os bailes noturnos e matinês, extremamente concorridos, um sucesso!

 E havia ainda, no sábado antes da semana do carnaval, o desfile da “Dona Doroteia, vamos furar aquela onda?”, promovido pelo Clube de Regatas Saldanha da Gama, onde, mais uma vez, os homens se vestiam de mulher, apenas pelo prazer de brincar, pela oportunidade de fazer críticas políticas e sociais. E tudo terminava em um banho de mar!

  Carnaval ingênuo? Talvez, se comparado ao de hoje, com seus grandes desfiles das escolas de samba, suas fantasias e carros alegóricos superproduzidos, suas belas mulheres seminuas, suas baterias com número de componentes superior ao de orquestras sinfônicas.

            Em compensação, a violência era muito menor, não havia o desfile anual das misérias do carnaval: drogas rolando soltas, excesso de álcool, acidentes fatais nas estradas, congestionamentos, estupros, assassinatos, preços extorsivos no comércio, roubos, brigas generalizadas e, infelizmente, muito mais.

            Evoluímos no espetáculo do carnaval, temos tendas onde a população canta e dança com som ao vivo (às vezes, perturbando o sossego da vizinhança), a TV mostra megadesfiles, e a tudo isso chamamos de progresso. Que, invariavelmente, vem acompanhado de tristezas e dramas.

            Afinal, não seria melhor gastarmos menos com este carnaval superproduzido – direcionando recursos para áreas prioritárias, como saúde e educação – e procurarmos um pouco da alegria autêntica dos carnavais passados? Eu, pelo menos, ainda que correndo o risco de ser chamada de saudosista, guardo nítida, na memória, a delícia de assistir às “Dengosas” e às “Favoritas”.