Aí vai meu artigo publicado na edição de 29/12, no jornal “A Tribuna”, de Santos, seção “Tribuna Livre”. Um grito contra o sofrimento de mulheres no Brasil e no mundo. E um fio de esperança de dias melhores em 2011.
Um bom ano para as Marias
Sakineh Mohammasdi-Ashtiane não se chama Maria. Nem a garota afegã de 18 anos que teve o nariz e as orelhas decepadas. Provavelmente, também não se chama Maria nenhuma das 60 mulheres indianas vendidas para prostíbulos. Nem as que foram estupradas e mortas na Guiné. Mas, têm todas uma dolorosa ligação com a Maria que festejamos nesta época do ano. Maria que permitiu ao mundo conhecer Jesus. Maria, que muito sofreu.
Aí está a ligação entre todas essas mulheres: o sofrimento. Imposto por esdrúxulas leis religiosas, por interesses financeiros e políticos ou por sociedades hipócritas e atrasadas, esse sofrimento continua tendo como alvo principal as mulheres. São elas o elo mais fraco, a despeito de uma suposta evolução em sua condição social.
É claro que em países civilizados não se condenam mulheres a serem mortas por apedrejamento em casos de infidelidade aos maridos. Ou por prostituição. Esse horror persiste apenas em certas sociedades fundamentalistas. Mas, mesmo em países ditos laicos e civilizados, a mulher ainda é considerada inferior.
No Irã, Sakineh Ashtiane vive o horror de ser enforcada a qualquer momento, uma vez que sua sentença de morte por apedrejamento foi transformada em morte na forca. O mesmo drama que, segundo as Escrituras, viveu Maria ao ficar grávida de Jesus. Prometida em casamento a José e não sendo este o pai da Criança, poderia ser denunciada pelo noivo e apedrejada. Foi salva pelo coração bom de José e pelo Anjo que, de acordo com as mesmas Escrituras, explicou ao futuro esposo a origem divina da Criança.
A menina afegã sem nariz e orelhas foi condenada por um tribunal religioso simplesmente por querer fugir da família do marido, que a maltratava; as 60 jovens indianas foram enganadas por um crápula de 27 anos, que se apresentava como soldado bem pago, casava-se com elas antes de vendê-las para prostíbulos bem distantes de suas cidades; as mulheres estupradas na Guiné só o foram por terem participado de ato em favor da democracia.
Um sofrimento que se repete todos os dias, em inúmeros pontos do Planeta. E as Marias brasileiras? Apanham, são estupradas e mortas, muitas vezes por seus companheiros. Mas podem contar com outra Maria: a Lei Maria da Penha. Ou não podem? Se depender de Edilson Rumbelsperger Rodrigues, não. Edilson é o tristemente famoso juiz de Sete Lagoas, Minas Gerais, que foi suspenso de suas funções pelo CNJ, por considerar essa lei “diabólica” e por declarar que foi a mulher a iniciadora de todos os problemas da humanidade. E nós nos consideramos um País civilizado!
Um País onde milhares de Marias sofrem com a violência contra seus filhos. Onde mulheres vivem em condições miseráveis, enfrentam torturas psicológicas, precisam ser pais e mães de seus filhos abandonados pelos companheiros. Por isso, elas se identificam tanto com Maria mãe Daquele que veio trazer mensagem de amor e perdão. Aquele que não permitiu o apedrejamento da adúltera.
Elas esperam que as cores e luzes da passagem do ano signifiquem realmente dias melhores. Lutando sozinhas ou ao lado de seus Josés, elas querem que leis sejam respeitadas, que idéias pseudo-religiosas e retrógradas não prosperem entre nós e que ações se concretizem, com apoio oficial, para acabar com a degradação das Marias em todo o mundo.