Publicado na Tribuna Livre de A Tribuna, em 20/12/2023
Manjedouras no coração
Só que, em
segundos, minha mente transportou-me para outro cenário, sem amor, sem
harmonia, repleto de tragédia e violência. Já não era mais o lindo Menino a
irradiar sua luz em nossos corações, mas sim bebês e crianças sendo
covardemente assassinados, em atos cruéis “justificados” pelas guerras, em
clima de ódio e trevas.
Foram apenas
instantes, e logo eu estava de volta ao ambiente de alegria e amizade,
reforçado pelos votos de saúde, paz e felicidade transmitidos pelos presentes.
Enfim, uma confraternização de Natal como deve ser, com declarações sinceras de
amizade e firmes propósitos de assim continuar durante o Ano que está chegando.
Voltei para
casa feliz, mas aqueles segundos em que, de certa forma, vivenciei o horror e a
maldade do ser humano, continuaram a me assombrar. E como uma coisa puxa a
outra e a mídia não dá “refresco”, foi inevitável assistir, em pensamento, às
sucessivas cenas de sofrimento de crianças.
Filhos de
todas as idades, de bebês a adolescentes, torturados e assassinados por seus
pais e padrastos; recém-nascidos jogados fora como lixo por suas mães; adultos
irresponsáveis colocando filhos no mundo sem a mínima condição de criá-los e
orientá-los.
Médicos
esquecendo-se de seu juramento e nobre missão e negando atendimento a crianças;
motoristas embriagados estraçalhando-as em acidentes nas ruas e estradas;
incêndios criminosos e desastres naturais tirando-lhes a vida ou deixando-as sem
o pouco que tinham; governantes preocupados em manter o poder e enriquecer com
a corrupção, esquecendo-se de obras que poderiam amenizar ou impedir as tragédias.
Mais de dois
mil anos depois, a imagem da Criança na manjedoura está se desvanecendo? Todo o
sofrimento causado pelo homem não vai gerar sede de vingança por muitas
gerações? Parece que não evoluímos e pouco melhoramos nesse tempo.
Mas, então, recebi
uma visita. Estava com a família um garoto de uns 13 anos, simples, simpático,
um pouco tímido. Enquanto os adultos conversavam, ele observava a casa.
Deteve-se na decoração de Natal, especialmente no Menino deitado nas palhas da
manjedoura. Aproximei-me e perguntei se tinha gostado.
Resposta
afirmativa seguida de uma observação que evidenciava o conhecimento da história
do Ocupante da manjedoura: “Se não fosse Ele, eu não gostaria tanto de minha
família, dos meus amigos e do meu cachorro!” Surpresa, perguntei: “Por que?” Resposta
rápida, com ar condescendente: “Não foi Ele que ensinou a amar?”
As luzes da
Árvore se acenderam e eu compreendi: podem se passar séculos, milênios, a
eternidade. Sempre existirá a maldade, mas o amor sobreviverá. Nas palhas dos
presépios armados em igrejas e casas ou nas manjedouras em nossos corações, o
Menino e sua mensagem de amor serão o antídoto para o lado negro do ser humano.