A
cultura que desafia o vazio
Em “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman, um filme denso
que retrata a humanidade em seus piores momentos, a Morte é personagem
constante, marionetando a ação. Ninguém escapa dela, nem o Cavaleiro, que, com
seu escudeiro, à maneira de Don Quixote, busca o sentido da Vida. Mas, alguns
personagens vencem a Morte. A família de saltimbancos, com seu malabarismo
simples, escapa em suas carroças, sob um sol resplandecente.
Após o susto e a tristeza com a notícia
da morte de um dos mais brilhantes protagonistas da cultura santista, impossível
deixar de lembrar de Bergman e constatar que, apesar de tudo, o legado
artístico deixado por Roberto Fernandes Peres aponta, desafiador, para a beleza
do que o ser humano produz de melhor: a cultura.
A vida de Roberto foi totalmente
dedicada às mais diversas expressões artísticas, desde as históricas às
contemporâneas. Ele tinha o dom de entender e apreciar o melhor da produção
artística, sem concessões, mas com o olhar atento ao que merecia ser estimulado.
Era o olhar não só do crítico, do produtor cultural, do jornalista. Mas,
também, do artista, que ele igualmente era.
Capaz de construir instigantes
espetáculos no palco, não só aplaudia o que era bom, mas sabia orientar os
talentos ainda sem caminhos definidos. As artes visuais o fascinavam, assim
como o melhor que o cinema, a literatura, a dança e a música produziram em
todas as épocas.
A fina ironia era sua marca registrada,
mas sua alegria também se traduzia em gostosas gargalhadas. Preferia a informalidade,
mas, não se ausentava se o compromisso fosse formal. À família, dedicava alma
amorosa; aos amigos, gentileza e solidariedade; aos alunos, paciência e estímulo;
aos verdadeiros artistas, aplausos e admiração.
Muitos dos que o conheciam comparavam-no
a um computador: guardava tanta informação em sua mente, que parecia impossível
que ainda sobrasse espaço para mais conhecimento. Mas ele estava sempre pronto
a se atualizar.
Como todos os que, em nosso País,
dedicam a vida à cultura, lutou contra obstáculos. E superou momentos de
desânimo produzindo arte. Foi assim como editor de Cultura do extinto jornal
Cidade de Santos; como fundador e diretor do Centro de Arte e Decoração de
Santos – Cades – que foi um vetor nas artes visuais na Cidade; como crítico e
professor de arte; como diretor e produtor cultural; como carnavalesco, levando
para a avenida beleza e informação.
Foram tantas as atividades ligadas à
cultura, que se torna impossível enumerá-las. Atualmente, era diretor da Escola
de Artes Cênicas da Secult, onde dirigiu vários espetáculos. Essencialmente
urbano, gostava também de alguns dias de descanso na montanha. Mas, logo
voltava à intensa atividade, projetando
o nome da Cidade e acompanhando de perto o que de melhor estava sendo feito
nacional e internacionalmente.
Sua súbita e precoce partida deixa um
enorme vazio na arte. Santos fica mais pobre na área capaz de trazer esperança
e dignidade aos ser humano: a cultura. Como Bergman, Roberto Peres acreditava
que a redenção da humanidade estava na arte. Mesmo que fosse uma arte de
malabaristas. Simples, mas honesta.