domingo, 21 de dezembro de 2014

Natal 2014


                
          Tristes contos de Natal

 

                                
 Na Inglaterra vitoriana, a garotinha perambula sozinha pelas ruas mal iluminadas. Suas roupas remendadas, as perninhas sem meias e os chinelos esburacados dão bem a ideia de sua triste condição. Pobre, com frio e faminta, ela olha pelo vidro de uma imensa janela.

Dentro, na mansão iluminada, adultos e crianças se reúnem à mesa farta. Uma Árvore de Natal brilhante e colorida extasia os olhos da pequena; presentes envoltos em fitas e papéis coloridos aguardam a meia-noite para serem abertos. É véspera de Natal, e ela bate à porta da mansão para pedir comida, mas é enxotada.

        Cada vez com mais frio e fome, senta-se chorando na sarjeta, e adormece. Quando acorda, já não está na rua gelada e escura, mas em um amplo e iluminado salão, saciada pelas guloseimas que cobrem imensa mesa decorada, e aquecida pelo amor de sua mãe, que há poucos meses havia partido para o céu. No dia seguinte, na porta da mansão, descobrem o corpinho sujo e enregelado.

         Ilustrado com grandes desenhos coloridos, esse conto de Natal, parte de um livro de histórias, nunca mais me deixou esquecer da garotinha que morre de frio e fome na véspera de Natal.

         Mas, hoje, me pergunto: como esquecer  dos milhões de brasileirinhos abandonados à própria sorte? Crianças que perambulam pelas ruas pedindo um trocado ou fazendo “malabarismos” para conseguir uma moeda. E as que acompanham pais ou parentes em sua trágica vida de moradores de rua?

         Mais ainda: como esquecer os pequenos que, sem escola e sem carinho, vão sobrevivendo e aprendendo as cruéis lições que a rua ensina, não raro se transformando em marginais e drogados? E os pequenos doentes que morrem sem assistência porque não há lugar para eles na rede pública de saúde?

Meninas e meninos cujas tristes histórias poderiam compor
um infindável livro ilustrado com cenas inacreditáveis. Mas, reais. Lemos esse livro diariamente nos jornais, ouvimos e assistimos as histórias nos meios de comunicação.

         São tantas e tão constantes que quase perdemos a capacidade de nos indignarmos. E, sem indignação, nenhum passo se pode dar para rasgar esse triste livro. Como aceitamos passivamente que milhões se esvaiam pelos imensos ralos da corrupção, se há crianças na rua, com fome e com frio?

         Como assistimos inertes aos governantes se digladiando pelo poder, enquanto escolas se deterioram, professores são desprezados e veículos de transporte escolar apodrecem em galpões oficiais? Por que não damos um basta à rasteira política partidária, que impede a canalização de recursos garantidores de uma vida digna às nossas crianças?

         Nossos coloridos Presépios e Árvores de Natal deveriam nos lembrar da mensagem de solidariedade e amor deixada por  Aquele cujo nascimento comemoramos. Deveriam nos estimular a sermos serenos, mas firmes, ao exigirmos conduta correta de governantes. E a sabermos escolhê-los por sua dignidade, honradez e humanidade.

         Ou será que vamos fazer de conta que não temos nada com isso e esperar que nossos pequenos encontrem a felicidade e a alegria depois de partirem para junto dos anjos que, com certeza, os aguardam? Aí, só nos restará recolhermos seus corpos sujos e raquíticos. Que belo Espírito de Natal!

domingo, 14 de dezembro de 2014

Adriana de Oliveira Ribeiro


                A mágica música do coração
                                               

 

         A menina, tímida a princípio, foi-se aproximando dos instrumentos musicais diferentes do que estava acostumada a ver. Olhou as outras crianças movimentando-se entre xilofones, sinos, timbales, pandeiretas e metalofones. Em poucos minutos, estava tirando sons de um xilofone. “Sentia” a música antes de “pensá-la”. E mergulhava em um universo mágico de movimentos, sons, palavras e instrumentos.

         Era este um dia típico na vida da musicista, professora, psicóloga e escritora Adriana de Oliveira Ribeiro. Seus pequenos alunos das turmas de Iniciação Musical do Conservatório Lavignac eram mola mestra de uma vida inteiramente dedicada à música. Uma história que começou logo após a formatura da jovem pianista.

         Inconformada com os áridos métodos tradicionais do ensino da música, Adriana começou a procurar novos caminhos e muito cedo intuiu que a criatividade era a chave de tudo. Estudou, pesquisou mestres que, como ela, buscavam a inovação. Foi-se aperfeiçoando até chegar ao método do alemão Carl Orff, que se baseava em ideias semelhantes às suas.

         Adotou, então, os instrumentos Orff e se transformou em pioneira no Brasil do ensino que primeiro leva os sons aos sentimentos e ao coração, para depois debruçar a mente em escalas, pautas, sustenidos e bemóis. Assim foram revelados inúmeros talentos musicais e formados profissionais das mais diversas áreas que tiveram na música a base de tudo.

         “Vivendo” princesas, fadas, cavaleiros e soldados, as crianças – e os pré-adolescentes – se envolviam na música, em lendas e em fatos da História, que Adriana adaptava às idades de seus alunos. Foi tão importante esse trabalho revolucionário que, após muitos pedidos, escreveu um livro – A Música de Todos os Tempos – Relato de uma Experiência – em que ela conta essa “aventura” que deu certo e que projetou o nome de Santos e do Brasil até no exterior.

Culta, estudando e pesquisando constantemente, ela amava a literatura, em especial a poesia e os grandes poetas. Era formada também em Psicologia, que utilizava para lidar com crianças de maneira lúdica e carinhosa, e com adultos de modo cativante. Suas observações divertidas eram parte de sua personalidade extrovertida. Mas, a seriedade de seu trabalho nunca era relegada.

Como de hábito no Brasil, sua dedicação à arte e cultura enfrentou dificuldades. Teve, muitas vezes, que superar obstáculos, mas, com obstinação, manteve – ao lado de Rosário Guillaume – o Conservatório Lavignac em plena atividade.

Outra paixão foi a regência do Madrigal Lavignac, cujo repertório de qualidade, que variava das canções medievais à música contemporânea, era escolhido cuidadosamente por ela. Era exigente nos ensaios, mas gostava de uma boa história contada pelas cantoras. Entremeava às músicas, textos referentes às épocas das composições, aos temas ou aos autores. Tudo escrito e pesquisado pela regente, transformando concertos em espetáculos inesquecíveis.

Como professora de piano, era querida e respeitada. Como compositora – escreveu muitas peças curtas para as turmas de Iniciação Musical – era admirada e aplaudida por pais e pelo público. Em suas inúmeras atividades voltadas à música era sinônimo de bom gosto e determinação.

Sua partida repentina deixou amigos, parceiros de trabalho e admiradores sem uma das maiores referências da cultura musical santista e brasileira. Que ficamos muito mais pobres artisticamente, não há dúvidas. Que os Planos Superiores estão musicalmente mais ricos, também. Que os pequenos anjos estão felizes com a chegada da mestra, com certeza. Mas que dói nos corações de quem a amava, dói! E muito!