sábado, 24 de dezembro de 2022

Natal 2022

 

             

                                E se não houvesse Natal?

Publicado no jornal A Tribuna em 24 de dezembro de 2022

                                                                                    

    É Natal e uma boa parte do mundo vive a mensagem de amor e paz trazida e vivenciada por Aquele cujo nascimento comemoramos todos os anos, nesta época. Gestos de solidariedade se multiplicam e o coração das pessoas é tocado por um “não sei o quê” difícil de explicar, que leva as pessoas a se emocionarem com gestos que, em tempos normais, nem notariam.

            Mas, como seria se não tivéssemos Natal? E se uma lei cruel da época em que Maria vivia tivesse sido aplicada?  Não nos esqueçamos de que, segundo historiadores e Livros Sagrados, ela era muito jovem, uma menina para os padrões atuais. Mas, de acordo com os costumes de então, já estava noiva de José.

            É fácil imaginar as regras de moralidade da época. Pobre daquele que se atrevesse a dar um passo fora dessas regras! (Dá para lembrar o que acontece nos dias de hoje, em alguns países teocráticos?) Vamos nos abstrair das explicações dos Livros Sagrados. O fato é que Maria, prometida ao jovem José, fica grávida, sem conhecê-lo no sentido bíblico.

            Ele poderia denunciá-la e, consequentemente, ela seria apedrejada até a morte. (Alguma semelhança com casos que até hoje acontecem em certas teocracias?)   A honra do noivo estaria salva, mas, o mundo não conheceria um Ser Divino – para os que acreditam – ou um Ser Especial – para os não crentes. Alguém que utilizaria o amor, a paz e o perdão para modificar a Terra, pregando o oposto do ódio e da vingança. Como José reagiria?

De acordo com os Livros Sagrados, um Anjo visitou José, em sonhos, e lhe explicou a importância da Criança que estava por nascer e como havia sido divinamente concebida. Por isso, e porque José tinha uma índole boa e compassiva, ele se casou com Maria e formou a família na qual Jesus nasceu e cresceu.

E se José tivesse seguido a lei injusta e covarde? Não teríamos o Natal nem sua magia. No mínimo, o Mundo seria mais triste e o ser humano, menos “humano”. Mas, em outra escala, não é isso o que acontece, mesmo nos países ditos cristãos? Mulheres continuam sendo vistas como “pertencentes” a seus companheiros.

Apesar das poucas que conseguem se “empoderar” (termo da moda!) em sociedades machistas e preconceituosas, muitas são tratadas como objetos que podem ser usados e descartados. Daí os feminicídios e toda a sorte de torturas impostas por quem não tem uma mínima parcela da nobreza e da compaixão de José. E as “Marias”, de todos os níveis culturais, são exterminadas, deixando para trás filhos desamparados e desorientados.

 Nos países onde, inacreditavelmente, as leis morais e religiosas dos tempos de Maria ainda vigoram, as mulheres continuam sendo impedidas de estudar, sair de casa e trabalhar; obrigadas a usar trajes que as cobrem inteiramente, talvez uma maneira de torná-las invisíveis e, portanto, inexistentes; presas, torturadas e mortas por mínimas transgressões a essas regras. E apedrejadas até a morte.

Mais de dois mil anos depois, o ser humano ainda não entendeu a mensagem. Será? Mas, e os que se transvestem de José para impedir atrocidades e salvar não só “Marias”, como todos os que necessitam?  Maria e José dos Livros Sagrados cumpriram seu papel com coragem. Deixaram seus exemplos e garantiram que a mensagem de paz e amor da Criança que criaram chegasse aos que se dispusessem a recebê-la. Apesar de tudo, mantiveram a esperança em seres humanos melhores.  E, ainda bem, salvaram o Natal!    

   

 

domingo, 18 de dezembro de 2022

Natal sem Luzes

 

                              E a iluminação da orla?

Publicado na seção Tribuna Livre, do jornal A Tribuna, em 18 de dezembro de 2022


    Em dezembro de 1987, a jornalista e aplaudida cronista Lydia Federici, cuja coluna “Gente e Coisas da Cidade” bombava diariamente nas páginas de “A Tribuna”, viu sua Árvore de Natal Solidária ser acesa nos jardins da Praia do Boqueirão. Projeto idealizado por ela, consistia em erguer uma Árvore de Natal, repleta de luzes, para incrementar a iluminação da orla e, paralelamente, ajudar as casas de caridade de Santos.

            Ao redor de um dos postes dos jardins, a Prefeitura ergueu uma alta estrutura, com fios em forma de uma Árvore de Natal. Nesses fios, mais de mil lâmpadas coloridas aguardavam que moradores e turistas as comprassem para serem acesas. Sucesso absoluto, todas as lâmpadas foram vendidas em uma semana, e a Árvore de Natal de Santos, totalmente iluminada e colorida, podia ser vista à distância, transformando-se em um marco no turismo e na benemerência santistas.

            A Árvore de Lydia voltou a ser sucesso em anos seguintes e, já após o falecimento da jornalista, em 1994, houve a Campanha Santos Nossa Luz, inspirada na campanha anterior e promovida pelo Fundo Social de Solidariedade. A Cidade – e especialmente a orla – brilhava com inúmeras Árvores estilizadas espalhadas pelos jardins, que tinham suas lâmpadas adquiridas pela população e visitantes, garantindo sua finalidade benemerente.

Em anos seguintes, a iluminação natalina dos jardins da orla santista continuou a tradição, sempre de forma criativa, com esculturas com lâmpadas de led coloridas, como as que reproduziam símbolos da Cidade, entre eles as muretas da Ponta da Praia e os números dos canais enfeitando a noite e orientando os turistas.

Até que chegaram os dias e noites sombrios da pandemia, e as luzes se apagaram. Sem a iluminação da orla e sem os fogos da virada do ano, a tristeza era tão grande, que se tornava palpável. Mas, aos poucos, a vida foi retornando. Este ano, as cidades voltaram a enfeitar seus marcos e pontos tradicionais para o Natal, desde as capitais internacionais até as pequenas cidades do interior.

Ah, sim! Santos também se iluminou. Por iniciativa de particulares, nos condomínios e residências; por conta da Poder Municipal, no Centro da Cidade, em frente à Prefeitura; no bondinho que se arrasta pelos velhos trilhos; e com grandes Árvores de Natal em pontos esporádicos.

Só que Santos é uma Cidade turística. Não é a orla que os visitantes mais procuram? Não é lá que haverá fogos na virada do ano? Então, por que a ridícula iluminação com lâmpadas brancas à volta de alguns troncos de árvores e mais nada? Se faltou material, não teria sido mais digno não colocar nada?

Ah, Lydia, passados tantos anos, parece que nada ficou de sua criatividade e entusiasmo! Bom seria se as gerações mais novas fossem mais humildes para aprender a gerar beleza, recursos e solidariedade para esta Cidade, que clama por ser iluminada e brilhar!

 

                 

domingo, 16 de outubro de 2022

Gilberto Mendes

 

              Gilberto Mendes, o homem e o artista

Publicado na seção Tribuna Livre, do jornal A Tribuna, em 16 de outubro de 2022

 

Quem se dispuser a folhear edições antigas de “A Tribuna”, vai entender por que o jornal tem sua história profundamente ligada à cultura de Santos e região. Em suas páginas, desfilam importantes nomes da arte, não só no noticiário, mas como autores de textos e geradores de fatos que agitaram e elevaram o nível cultural em uma época em que arte e cultura faziam jus a essas denominações. O compositor santista Gilberto Mendes foi um desses nomes.

             No último dia 13, foi comemorado seu centenário de nascimento, ocasião propícia para relembrar sua obra, seus feitos nacionais e internacionais, prêmios e vitórias. Mas, também, recordar um pouco o ser humano Gilberto Mendes, sua personalidade gentil, sua luta para ver a música erudita contemporânea mais conhecida e reconhecida.

            Durante muitos anos, Gilberto foi crítico de música e colaborador de “A Tribuna”, tendo ainda escrito para vários outros jornais de circulação nacional. Mas “A Tribuna” era o jornal da Cidade onde havia nascido e que escolheu para morar, mesmo quando se tornou artista internacional e era constantemente convidado, oficialmente, para os mais importantes festivais mundiais de música contemporânea. A ansiedade e expectativa antes da viagem transformavam-se no retorno feliz, quando trazia na memória os aplausos às suas obras interpretadas por grandes músicos, os prêmios, as críticas elogiosas. Era nessas ocasiões que sua chegada à redação se transformava em momentos deliciosos.

            Sem qualquer traço de ostentação, contava detalhes da viagem, dos espetáculos, da felicidade de ser bem recebido e de estar representando a cultura de Santos e do Brasil no exterior. Falava das amizades conquistadas, das características de outros povos. Certo dia, contou que em alguns países europeus, quando se andava na rua e se erguia a cabeça, fazendo contato visual com outra pessoa, obrigatoriamente se cumprimentava o outro transeunte. E, sorrindo, lembrou que não era assim por aqui.

            Apenas em exemplo do poder de observação, da vontade de apreender muito de outros ambientes, outras realidade, detalhes que, certamente, iam fazer parte de sua próxima composição. Depois, de dentro de uma pasta, tirava algumas laudas datilografadas, para serem publicadas, sempre com críticas seguras, mas serenas, ou fatos descritos com fidelidade.

            Idealizador do Festival Música Nova, Gilberto viu sua iniciativa crescer e alcançar outros patamares, chegando a ser realizado simultaneamente em Santos e São Paulo. Mas a luta era árdua. A cada ano, a cada nova edição, ele enfrentava falta de verba, de interesse e até total falta de conhecimento do que se tratava, por parte de autoridades e patrocinadores. Só após algumas críticas a essa situação publicadas em “A Tribuna” e outras mídias, surgia a verba, sempre insuficiente. Até que, em 2011, Gilberto desistiu de Santos, tendo o Música Nova – que em 2012 comemorou 50 anos – sido assumido pelo Departamento de Música da USP, em Ribeirão Preto.

            Realista, ele sabia que a música contemporânea não atingia grandes públicos. Mas entendia sua importância na pesquisa e descoberta de novos caminhos para o som erudito. Era um artista multimidia, que dizia que, se não tivesse sido músico, com certeza seria escritor. Publicou a novela “Danielle em Surdina, Langsam”, com suspense, paixão, citações de artistas e memórias de paisagens e prédios santistas, como o Parque Balneário, que é retratado em um desenho feito pela esposa de Gilberto, Eliane Mendes. Tudo escrito de maneira que a música pode ser sentida ao longo do texto, com seu ritmo e seus tons.

Outro livro, “Música, Cinema do Som”, reuniu seus artigos, muitos publicados em “A Tribuna”. Saborosos e fáceis de entender, alguns marcados por sutil ironia e humor, revelam momentos do cotidiano do autor e compõem um retrato da música local, nacional e internacional durante um período de 45 anos, indo do erudito ao popular – MPB e jazz –, interligados ao cinema e teatro.

Um livro para se conhecer um pouco mais do artista e do homem Gilberto Mendes, que faleceu em 1 de janeiro de 2016, aos 93 anos, deixando seu nome indelevelmente gravado na música internacional. E sua modéstia, coragem, determinação e modo afável de conviver, inesquecíveis em quem o conheceu.        

sábado, 10 de setembro de 2022

João Vitor - 11 anos

 

                     

              Ah! os carrinhos de Serra Negra!

 

“Pokémon” e “Acelerados”. Se alguém quiser chamar a atenção do garoto inteligente e esperto, é só falar uma dessas palavras, que ele esquece o que estava fazendo ou dizendo para saber por que elas entraram na conversa. É o João Vitor, meu neto, que – inacreditavelmente para mim – chega hoje, dia 11, aos onze anos. A cada ano, a cada aniversário do João ou do seu irmão Luiz Felipe, penso: mas já? Não são mais os bebês rosados e chorões, nem as crianças pequenas com suas graças e birras. São meninos alegres, que já começam a entender a vida e que continuam infinitamente amados, como o foram desde o dia em que nasceram.

            Você, João, apesar de sua postura que muitas vezes já lembra um pré-adolescente, continua vivendo sua infância, divertindo-se com brincadeiras que inventa e andando nos carrinhos da praça de Serra Negra ao lado do Tite. Para provocar, vovô Paulo diz: “Você está muito grande, João, não dá mais para ir no carrinho!” E você nem liga: acomoda-se ao lado do Tite e vai dar as voltas na praça. É bem verdade que a pessoa que empurra o carrinho tem que usar mais força, mas um dia, em um trecho do caminho, você mesmo empurrou o carrinho com o Tite e um amiguinho dentro. E divertiu-se tanto quanto eles!

            Na casa da vovó Ana e vovô Paulo, ainda brinca na banheira que seu irmão enche de espuma. Um dia, depois de afirmar, todo sério, que preferia ver TV, não resistiu ao chamado do Tite: levantou-se de repente do sofá, desligou a TV e foi pelo corredor em direção ao banheiro, já tirando a camisa. Nem precisa dizer como a farra foi grande! Mas a televisão continua com papel importante em seu lazer, principalmente quando os programas têm carros como tema.

            Um deles é “Acelerados”, que mostra os mais variados tipos de pilotos – um em especial, Rubinho Barrichello –, carros e corridas. Você se distrai e se empolga tanto, que, certa vez, montou uma cabine de carro no sofá da vovó. O câmbio era um cabo de vassoura; a direção, um prato de plástico; Tite era o copiloto, também dirigindo com um prato de plástico. E o barulho que os dois faziam, imitando os motores, estava muitos decibéis acima do que os vizinhos gostariam...

            Aliás, é dirigindo com os pratos de plástico que você organiza corridas pela casa, entrando e saindo dos cômodos do apartamento, fazendo curvas e, lógico, reproduzindo o barulho de motores. Tite e eu somos os outros pilotos e eu, mesmo chegando sempre em último lugar, sou estimulada a também imitar um motor de carro...  E quando você está ao meu lado, no carro de verdade, na garagem, não sossega enquanto eu não o deixo pegar um pouquinho na direção, mesmo eu não tirando as mãos do volante.

            Mas há um jogo do qual você começou a gostar já há alguns anos e que, conforme você cresce, prende ainda mais sua atenção. É o “Pokémon”, com seus personagens e cartas coloridas, uma febre entre os garotos. Você sabe os nomes de todos os personagens, conhece os movimentos, cenários e situações em que acontecem a ação e as jogadas. Já lhe pedi algumas vezes para me explicar o “Pokémon”. Mas, confesso, é muito complicado para mim!...   

                A paixão por construção e ambientação mantém-se firme. E vovô Santi é constantemente requisitado para construir maquetes de casas, prédios e supermercados, que depois você pinta e guarda com todo o cuidado. Aliás, na casa da vovó Janne e vovô Santi, o Supermercado Sachetto continua funcionando a pleno vapor, com você e Tite etiquetando toda a despensa da vovó Janne – e quem disse que vovó se importa? – e colocando os produtos “para vender”.

Também funciona a Escola Sachetto, quando você copia, no tablet, provas de Português e Matemática que o papai redige em casa, para ajudá-lo, e ao seu irmão, a estudarem. Tite e vovó Janne são os alunos, você é o professor. Um dia, você veio me mostrar as provas dando risada por causa de uma pergunta de Matemática cujo cenário era o apartamento do vovô Paulo e vovó Ana e cujos personagens eram o vovô Paulo, os pombos e os bem-te-vis que o atormentam, sujando a área descoberta do apartamento.

Quando foi comigo ao supermercado de verdade, fez questão de escolher o biscoito do Tite – e outro para você, claro! – e fez vários comentários sobre os preços dos produtos. Um verdadeiro economista! Não me deixou carregar a cesta de compras, fazendo questão de levá-la até o carro. Um gentleman!...

Como conhece bastante da web, até já ajudou a baixar um aplicativo em meu celular. Liga para as vovós pelo Messenger, e quer que digamos o que são as figuras que desenhou e que exibe na telinha do celular. Na verdade, o desenho e a pintura continuam entre suas atividades preferidas, resultando quase sempre em coloridas paisagens.

Atividades ao ar livre são essenciais. Antes, você improvisava divertidos jogos de basquete com a personal trainer e, agora, aprende esse esporte na escola. Também ao ar livre, gosta de jogar queimada e verdadeiro ou falso, unindo o raciocínio ao exercício físico. Continua muito bem na natação, atravessando a piscina nos vários estilos, e ainda gosta de correr com o Tite e outras crianças, nas férias, na praça de Serra Negra.

É lá, também, que confirma sua paixão por carros, comprando, com o dinheiro da mesada, que economizou, as miniaturas que, depois, vão ser empurradas pelos corredores do apartamento da vovó Ana, em disputadíssimas corridas com os carrinhos do Tite. Claro que, no horário do tablet, sua preferência são os jogos com carros de corrida, que faz questão que eu acompanhe, me explicando os vários modelos e pedindo para eu escolher suas cores.

Um dia, me mostrou no tablet um belo sedan: “Vovó, esse é o modelo que você deve comprar”. E como um verdadeiro conhecedor, acrescentou: “É bonito, econômico e não muito caro!” Tudo acompanhado por gestos que ajudavam a explicar por que tinha escolhido esse carro para mim...

Outra paixão é a fotografia. Em recente viagem a Holambra, fotografou todas as flores que pôde e depois fez questão de me mostrar as fotos uma a uma. Editou várias imagens de Serra Negra, acrescentando frases divertidas. E sempre que a vovó dizia “vamos tirar uma foto”, se antecipava: “Eu tiro!” Foi assim que, de tema da fotografia, passou a ser o fotógrafo.

Esse é você, João Vitor. Alegre, divertido, algumas vezes emotivo, brincalhão. Mas não gosta muito que brinquem com você. No carro, voltando da escola, você cutucou o Tite dizendo que ele é muito popular na escola. Seu irmão retrucou: “Você é que é muito popular!” Vovô Paulo ouviu e começou a brincar com os dois. E você, todo sério: “Não gosto dessas brincadeiras!”

E assim você cresce, rodeado de muito carinho. Tite é seu companheiro irrequieto e constante, que continua, muitas vezes, copiando o irmão mais velho. Papai e mamãe continuam sinônimos de segurança, apoio, orientação e broncas, quando necessário. São também parceiros de brincadeiras e de inúmeros momentos de alegria. Papai é o amigão que assiste com você, na TV, aos treinos de classificação e às corridas de Fórmula 1. Os filmes são assistidos por todos juntos: mamãe, papai e Tite. Mamãe cobra suas obrigações na escola, ajudando-o a ter um ótimo rendimento nos estudos, o que deixa você orgulhoso.

Essa é a sua linda história, João Vitor. Seu coração sincero, suas imitações divertidas, seu espírito transparente, sua ingenuidade, sua criatividade, tudo contribui para fazer de você uma (ainda) criança que atrai e distribui muito amor. Como quando você organizou, junto com o Tite, um show de mágica para apresentar para os quatro vovós e para os papais, após jantar em família na sua casa. Seu irmão era o assistente, que rufava os tambores batendo no cesto de papéis do quarto, virado ao contrário.

A cortina era feita de folhas de papel, que o assistente levantava para o mágico aparecer, sentadinho em baixo da bancada, usando chapéu de mágica e outros acessórios. Em sua adorável ingenuidade, os truques eram apresentados como grandes mágicas, que exigiam a participação da plateia, previamente arrumada em seus lugares pelo mágico e seu assistente. No final, após os aplausos entusiasmados da plateia, o mágico agradeceu, feliz e orgulhoso com os elogios. O assistente rufou os tambores e a noite terminou realmente em clima de magia, principalmente para os vovós, felizes com o carinho dos pequenos.

É por tudo isso que esta vovó Ana traz você e seu irmão no coração. Que os Céus o protejam, João Vitor, e que você continue firme a trilhar o caminho da luta, da perseverança e do trabalho, mas também o da alegria, do êxito e, principalmente, do amor!

 

 

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Dia dos Pais 2022

 Publicado na seção "Tribuna Livre", do jornal "A Tribuna", em 7 de agosto


                     Pais na paz e na guerra

 

           Após duas tentativas mal sucedidas, meu pai finalmente ouviu o choro de um filho que acabava de chegar ao mundo. Era eu, recém-nascida, chorando pelo susto de deixar o ventre materno e, provavelmente, por causa do frio que – anos mais tarde me contaram – fazia naquele dia. Nasci em casa, sob a expectativa da família. Todos felizes com a minha vinda, mas meu pai, emocionado, só queria me segurar em seu colo.

            Tranquilizado quanto ao estado físico de minha mãe, pôde me aconchegar a ele com alegria, enquanto, como todo pai de primeira viagem, conversava comigo como se eu já pudesse entender. De repente, passou a me mostrar a sala onde estávamos, dizendo: “Olha, esta é a sua casa”! E mais não mostrou porque logo me levaram de volta para o calor da minha mãe.

            Ouvi várias vezes essa história que, até hoje, mexe comigo. Lembro-me do meu pai trabalhando, de sua luta para manter a família e vencer na vida; de sua tranquilidade, sua bondade, suas alegrias, suas vitórias e insucessos. E julgo entender por que o homem, quando se torna pai, passa a sentir o peso de uma maior responsabilidade.

            Penso que, além da alimentação e da saúde dos filhos, a moradia é, sem dúvida, uma das grandes preocupações. Há os pais realizados e felizes por conseguirem proporcionar um teto às famílias, há os amargurados por seus tetos serem precários, há os que não têm outra alternativa a não ser as ruas. E há, sim, os mais fracos, que desistem e delegam a função às mulheres.

            Então, vejo na TV as cenas terríveis da guerra, matando, mutilando, destruindo prédios e casas. Vejo mães e avós fugindo com seus filhos e netos, sozinhas, porque os homens têm que ficar para defender sua pátria. E imagino o que se passa na cabeça desses homens, vendo suas famílias irem embora, suas casas destruídas, transformando-se em soldados em vez de provedores da família.

            Mas penso também nos senhores da guerra, cujos filhos e famílias permanecem sob bons tetos, protegidos de qualquer agressão. Nada os comove, nem mesmo a imagem do pai na rua, debruçado sobre o corpo e segurando a mão do filho de 13 anos, morto por um ataque inimigo. Nem mesmo as crianças separadas das famílias, sendo conduzidas, aos prantos, para paragens um pouco mais seguras. Nem o pai, irracionalmente se culpando por não ter conseguido proteger a netinha de 4 anos e a filha de 24, das bombas covardes que as mataram. Nem todo o horror escancarado pela mídia.

            Esses senhores não pensam nos próprios filhos porque sabem que estão bem, na rotina de suas vidas. Mas a ânsia de poder comanda as ações desses homens, mesmo com custo tão alto. Nada os para, nem mesmo reuniões com dirigentes de nações poderosas, nem retaliações econômicas, nem apelos de todo o mundo. Merecem o título de pais? Com certeza, não!

            E volto a pensar nos pais de minha Terra, aqueles que fazem jus à palavra “pai”. Esses são os lutadores, que tudo enfrentam para criar com amor, encaminhar, defender e proporcionar um lar, a moradia para seus filhos. Aplaudo os que conseguem ser pais mesmo na adversidade.  Os outros, melhor esquecer. Podem ser colocados, junto com os senhores da guerra, no rol do que há de pior na humanidade.   

               

domingo, 8 de maio de 2022

Dia das Mães 2022


Minha crônica  sobre Mães publicada hoje, na coluna "Tribuna Livre", do jornal "A Tribuna"

                             Natural e lógico                                                       

 

Cresci, como a maioria das pessoas, tendo certeza de que o amor de mãe é tão natural e lógico como a roseira dar rosas. Em meu pequeno universo familiar, o mundo era alegre e despreocupado. Depois vieram as dificuldades, mas o amor materno me acompanhou pela adolescência e mocidade, até a idade adulta. Esteve presente em conquistas e decepções, em diplomas, trabalho, namoro e casamento.

 E até hoje, muitas vezes, eu o sinto, como se minha mãe estivesse ao meu lado, quem sabe acompanhada pela tia querida e outros familiares, todos já em dimensões espirituais, dando uma olhadinha na pequena que – acho – alegrou suas vidas, retribuindo seu amor!

            Sim, fui uma privilegiada que depois também se tornou mãe. E procurou, de muitas maneiras, fazer a filha, igualmente, sentir esse amor materno, que sempre foi natural e lógico, como deve ser o amor de mãe. Um amor profundamente retribuído, que, como aconteceu comigo, a acompanhou – e acompanha – por todas as etapas da vida, inclusive quando ela mesma se tornou mãe.

            E a roda da vida continua a girar, de tal forma que o amor que ela sente pelos filhos é infinito, traduzido em carinho, cuidados e proteção. E retribuído com beijos, abraços e lindas declarações de amor, próprias das crianças. Porque, mais uma vez está presente o amor de mãe, natural e lógico!

            Sempre pensei no amor materno assim, nascido do fundo do coração sem que as mães se deem conta ou mesmo parem para pensar nele. Elas o sentem, e pronto! Mas, de uns tempos para cá, comecei a me questionar. São tantos os casos de mães que abandonam, maltratam ou até mesmo matam seus filhos, que minha convicção foi alterada.

            Mães que não protegem os filhos dos agressores e dos perigos. Que pouco se importam com seu bem estar e até mesmo sua sobrevivência. Que colocam seus interesses acima da vida dos filhos. São tão numerosos esses casos relatados pela mídia, que fico tentando descobrir em que canto dos corações dessas mães está soterrado o amor materno, natural e lógico.

            Penso que a vida atual, com tantos problemas, doenças, escassez e dificuldades, é a grande responsável pelas atitudes outrora impensadas dessas mães. Ou será que agora a mídia escancara os fatos, quando, antes, tudo ficava encoberto? Será que o amor materno não é tão natural e lógico assim?

Mas há as mães heroínas, lutando com todas as forças para evitar a fome dos filhos; para protegê-los da maldade do mundo; para oferecer-lhes tudo o que têm, ainda que esse tudo seja bem pouco. Vejo mães dando a vida pelos filhos; vejo-as curando-os de arranhões nos joelhos e de feridas nos corações; vejo-as já idosas, ainda portos seguros para seus filhos adultos.

Nenhuma delas para, sequer por um segundo, para pensar por que faz isso. Simplesmente, faz! As outras, as mães de corações trancados, são as exceções. Então, volto a me convencer de que, apesar de tudo, há o amor natural e lógico das mães. O amor que deve ser inspirado pelos Céus. Um passarinho passa voando, carregando gravetos no bico, e pousa no ninho que está construindo. É a própria tradução do amor materno, natural e lógico!     

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Luiz Felipe - 8 anos

 

                          Divertido e decidido

 

Eu faço a tradicional pergunta: “Quem vai escovar os dentes primeiro?” E você, que já está alerta, esperando por ela, responde antes que eu termine de falar: “O João!” E a cena se repete sempre que você e seu irmão vêm dormir em casa, antes de irem para a cama. É claro que o João Vitor também responde rápido: “O Tite!”

            Mas, aí, já foi: você, com sua carinha de sapeca, retruca: “Eu falei primeiro!” E começa uma “briga” – porque os dois querem aproveitar mais uns minutinhos no tablet – que, geralmente, acaba com ambos no banheiro, escovando os dentes ao mesmo tempo. É assim, Luiz Felipe, nosso Tite, que vocês crescem juntos, unidos e amigos, o que não impede discordâncias e alguns “entreveros”.

            Você chega aos 8 anos e continua sendo, junto com o João Vitor, a nossa alegria. Quantas vezes nos lembramos de você, em situações divertidas, e lá vem o comentário meu ou do vovô Paulo: “Ah, se o Tite estivesse aqui...” E nos pomos a rir, imaginando sua reação e as histórias que contaria.

            É que você usa termos e expressões que muitos adultos não usam. Tudo com espontaneidade, sem afetação. Irrequieto e alegre, como sempre foi, adora brincar com seu irmão e até faz algumas vontades dele na hora de escolher a brincadeira. Mas em uma “corrida” de Fórmula 1, correndo pelos corredores de sua casa, quando viu o “troféu” que o João havia escolhido para você entre os objetos da sala de brinquedos, não se aguentou: “Troféu de plástico, João? Assim não dá!...”

            Mas tem muitas coisas que você leva a sério, entre elas, tocar bateria. Você gosta da aula de música e faz questão de que as pessoas o assistam quando toca em casa. Certa vez, me fez até colocar os fones de ouvido para ouvir melhor seu ritmo. E ficou todo orgulhoso com os elogios.

            Vovô Santi continua encarregado de construir Monsters Jam com caixas de madeira e papelão. Você fica tão encantado porque são tão parecidos com os originais, que já teve até um “Tite Jam”. Vovó Janne ajuda a separar a “matéria-prima” para os “veículos”, só para ver o seu sorriso quando mais um Monster Jam se junta à coleção.

            As maquetes, casas e prédios também não podem faltar. E você já sabe construir muitas peças, como a casa com garagem e árvores, que criou na casa da vovó Janne, auxiliado pelo papai. Depois, veio todo orgulhoso mostrar o trabalho e perguntou, com seu jeitinho especial, para a mamãe: “Posso levar para casa?” Quando recebeu um sim, não cabia em si de contente.

            Quando você e João vão dormir na casa dos vovós Janne e Santi ou Ana e Paulo, é uma festa. Principalmente para os vovós! Mas vocês gostam muito dessas noites diferentes, quando podem ir dormir um pouco mais tarde, brincar e usar os tablets. Trazem de casa, cada um, um bichinho de pano, que lhes faz companhia na hora de ir dormir. Em uma dessas noites, na casa da vovó Ana, você se lembrou do gatinho: “Mamãe não pôs na mochila? Então, liga pra ela trazer.”  Isso às 11 horas da noite, depois de você ter “enrolado” muito para ir dormir!

            Nas chegadas e despedidas, ainda gosta que, no abraço, vovó Ana o levante um pouco do chão. E se diverte quando a vovó diz: “Você, eu ainda posso levantar, mas o João não dá mais, está muito grande!”

             Um dia, vieram os dois almoçar na casa da vovó. Tinham horário apertado: chegar, lavar as mãos e sentar para almoçar porque, em menos de uma hora, vovós iam levá-los para outros compromissos. Você tinha que estar no horário certo, na aula de bateria. Não havia tempo para brincar, mas até hoje não descobri em que momento você conseguiu abrir a caixa de brinquedos e espalhar as peças do Lego – que continua sendo uma de suas paixões – em cima da cama!...

            Assim como vovô Paulo também não sabe como você conseguiu levar uma miniatura de Monster Jam para a aula de música sem que ele visse. Depois, vovô ficou aborrecido, achando que você tinha perdido o brinquedo de que você gosta tanto, mas nem assim você contou a “arte”. Aliás, foi indo para a aula de bateria que eu e vovô descobrimos que uma das baquetas não estava no porta-luvas do carro, onde eu tinha certeza de que havia posto. “Mas eu coloquei aí!”, me defendi. Não adiantou: a primeira coisa que você falou, rindo, para a mamãe, quando ela foi buscá-lo, foi: “Sabe que a vovó Ana perdeu uma baqueta dentro do carro?!” Em tempo: a baqueta estava onde eu tinha colocado!

            Vai muito bem na natação – já faz 50 metros na raia – e sua criatividade continua se revelando principalmente no desenho e na escolha de cores fortes, tanto que essa é uma das aulas preferidas na escola. Tem notas boas, estuda em casa junto com a mamãe e é uma surpresa na cozinha: já sabe cozinhar feijão, também sob a supervisão da mamãe, e conta direitinho quais as várias “etapas” para o prato ficar pronto.

 Assim como seu irmão, fica ansioso para que o papai termine logo de trabalhar e saia do escritório para ficar com vocês. O amor, o carinho e as “correções de rota” de mamãe e papai vão transformando vocês em seres fortes e íntegros, capazes de caminhar pela vida com retidão.

            Suas reações e comentários, Tite, já demonstram sua inteligência e lógica. Como quando você me perguntou como eu tinha caído na rua. Eu expliquei, e você quis saber onde estava o vovô. Contei que ele caminhava um pouco mais à frente, e você se saiu com esta: “Você devia ter caído em cima dele. Sim, porque, praticamente, ele é uma almofada!”, referindo-se ao tamanho grande do vovô Paulo.

            Quando os quatro vovós se reúnem em sua casa, para almoçar ou jantar, sua expectativa é grande. Em uma noite de jantar, você organizou durante a tarde, junto com o João, uma “caça ao tesouro”, com pistas escritas em pedacinhos de papel espalhados pela casa. Após o jantar, os vovós foram convidados a participar da brincadeira e se divertiram muito com as pistas escritas nos papeizinhos. No final, com a ajuda do papai, chegamos ao tesouro: uma caixa com alguns chocolates dentro. Você ofereceu o chocolate aos participantes da “caça ao tesouro” e quando agradecemos e recusamos, você, com seu jeito maroto, sorriu e se explicou: “Não é para comer mesmo, é só para fazer de conta.”

            Em outra noite, estávamos sentados à mesa para jantar, e mamãe chamou você e João para comerem. Você chegou na sala e, notando que estávamos com roupas um pouco mais arrumadas, perguntou gesticulando e usando um pouco de ironia: “Alguém aqui está fazendo aniversário?”

            É assim, Tite, meu amado netinho, que chegamos aos seus 8 anos. Você continua a criança alegre, divertida, decidida, que não gosta de esperar para resolver as coisas. Seus comentários inteligentes nos deixam, muitas vezes, sem resposta. A mamãe continua sendo porto seguro, para quem você primeiro corre quando precisa de abrigo e carinho. O papai é o amigo carinhoso com quem você pode contar e brincar. O irmão João Vitor é o companheiro constante de corridas, brincadeiras e “aprontações”. Os amigos – você tem muitos na escola – requerem sempre sua presença.

            Vovós Janne, Santi e Paulo têm você e seu irmão sempre no coração, assim como esta vovó Ana, que não deixa passar um dia sem se lembrar de vocês e pedir ao Ser Maior que os proteja. Meu desejo neste seu aniversário é que você trilhe sempre os caminhos retos, vencendo obstáculos com sua dedicação e tenacidade e tendo no amor de seus pais, sua família e amigos, uma luz a iluminá-lo. Da mesma forma que você é uma luz em nossos caminhos!   

 

           

  

 

quarta-feira, 23 de março de 2022

Máscaras da pandemia e da alma

 Publicada na Tribuna Livre, do jornal "A Tribuna", em 23/03/2022

                                  

             Que caiam as máscaras

        

      Literalmente, as máscaras caíram. Mas, e no sentido figurado? Algum dia cairão? Esse insuportavelmente longo período do uso de máscaras contra o coronavirus parece estar terminando. Mas ninguém tem certeza de nada. Aqui, os número da doença melhoraram, a ponto de algumas autoridades permitirem a eliminação de máscaras em ambientes abertos e até fechados.

No mundo, entretanto, as notícias são desencontradas: os surtos na China e na Europa parecem nos dizer que não é bem assim; a baixíssima imunização em alguns países de economias mais frágeis e densamente povoados é uma porta escancarada ao surgimento de variantes; médicos, especialistas, mídia e redes sociais não chegam a um consenso; fake news infestam a internet. Os mais velhos são apontados como alvo preferencial do vírus e sentem-se ainda mais fragilizados. Em meio a tantas dúvidas, há os que alegremente se desfazem das máscaras e aqueles que juram que não vão deixar de usá-las.

            Porém, há máscaras que não podemos identificar. São as máscaras usadas por políticos que prometem melhorar a vida das populações, mas, na verdade, visam apenas conquistar o poder a qualquer custo, ainda que para isso tenham que gastar todos os recursos destinados àquelas populações que prometeram ajudar.

São as máscaras de autoridades de todos os níveis, de todos os Poderes, que decretam, assinam e colocam em prática atos para destruir os valores que juraram defender, visando unicamente conquistar votos para sua hegemonia política. São as máscaras que enganam eleitores, humildes ou abastados, sem instrução ou cultos. São as máscaras da honestidade escondendo a corrupção. São as máscaras que justificam o injustificável com mentiras grotescas.

E há as máscaras do cotidiano. As dos bondosos, que escondem maldade; as dos benemerentes e solidários, que encobrem desprezo; as dos pacíficos, que não deixam ver a violência; as dos inteligentes que prejudicam, roubam e destroem; as dos moralmente inatacáveis que são só podridão.

Também há as de falsos amigos; de médicos que disfarçam sua falta de humanidade; de professores que escamoteiam seu desinteresse; de estrelas da arte e do show business que são uma fraude; de aplaudidos profissionais incompetentes; de ídolos com pés de barro e até de familiares algozes.

Tudo, infelizmente, é inerente ao ser humano. Mas o que aconteceria se, como as máscaras físicas, as do cotidiano também caíssem? Em alguns casos, não nos surpreenderíamos. Mas, em muitos outros, além da surpresa, sentiríamos revolta, descrença, raiva. Desejaríamos a revanche.

Será melhor, então, que só caiam as máscaras da pandemia?  Não, ideal seria que todas as outras também caíssem. Difícil, mas podemos utilizar nossa inteligência e observação para conhecer e diminuir o número de mascarados. Se não formos ingênuos, se denunciarmos com responsabilidade e tomarmos as atitudes corretas, muitas máscaras cairão. Nossa vida ficará mais respirável, da mesma forma que o ar sem o uso das máscaras físicas.

Que nós, os governantes e os especialistas saibamos tomar as atitudes mais corretas, para que caiam as máscaras da pandemia. Que seja em breve, na totalidade e em definitivo. Porque as outras, só podemos ajudar a diminuir o número de quem as usa.    

 

  

 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Mais uma vez, Petrópolis

 Publicado na "Tribuna Livre" do jornal "A Tribuna", em 22/02/2022


                         Fantasiados à espera da chuva

                                                                                 

 Em um momento, o menino de oito anos estava no ônibus com sua mãe; nos momentos seguintes, o ônibus era arrastado pela torrencial água da chuva para dentro de um rio, o menino tentava de várias formas sair do ônibus antes que o veículo afundasse, mas era levado pelo rio em turbilhão. Em um momento, a mãe do menino estava com ele dentro do ônibus; nos momentos seguintes, o ônibus estava dentro do rio, e ela tentava desesperadamente salvar o filho, sem sucesso.

            Momentos depois, ela olhava para o repórter e a câmera com um olhar ausente, dolorido, sem conseguir responder às perguntas, ainda sem se dar totalmente conta da tragédia. Apenas mais um drama entre os incontáveis vividos pela população de Petrópolis. Somente uma história triste entre as tantas que se sucederam escancaradas pela mídia.

            Não sei o nome do menino, de sua mãe e nem o final da história. Só sei que tanta dor e tristeza não cabem no peito de uma só pessoa. Nem no de tantas outras mergulhadas no luto e no desespero, no Rio, em São Paulo, Minas, Bahia e outras regiões do País.

            Enchentes, lama, desmoronamentos, soterramentos. Perda de vidas e de bens materiais tão sofridamente conquistados. Caos. A sempre solidária população brasileira ajuda com doações de todo o tipo. Administradores transvestem-se de meteorologistas para explicar fenômenos da natureza causadores das violentas chuvas.

            Mas, não conseguem explicar por que deixaram de aplicar recursos públicos que poderiam, se não evitar, reduzir o caos. Em 20 de janeiro de 2011, neste mesmo espaço da “Tribuna Livre”, após violentas chuvas e grande tragédia que atingiram a região serrana do Rio de Janeiro, foi publicado o artigo “Tirar a fantasia antes que chova”.

            A dirigente máxima da Nação prometia não esperar as “próximas chuvas para chorar os próximos mortos”. Desejei que não se ficasse na frase de efeito, mas que essa declaração fosse traduzida em ações concretas de administradores em todos os níveis, dos locais aos federais.

            Infelizmente, nos meses de janeiro de 2012 e 2013, repetiram-se as tragédias. Que continuaram de modo recorrente, em incontáveis regiões do País, inclusive na Baixada e Litoral. Alguns governantes sérios tomaram atitudes para minimizar o problema.             Mas, a demagogia e a corrupção na política são uma praga que se multiplica na mesma velocidade em que as tragédias são esquecidas.

 A falta de planejamento e de aplicação de recursos, que reduziriam o impacto das chuvas no verão, também é esquecida rapidamente. Os meteorologistas (os verdadeiros) alertam, mas a construção de casas em locais perigosos continua. Quando se percebe, já há duas ou três casinhas erguidas na mesma encosta que desabou, matando pessoas.

             Mas, nós só lamentamos e ajudamos como podemos. Não cobramos de quem tem o dever de zelar pela vida e bem estar da população. Votamos por ideologia ou simpatia, sem nos preocuparmos com capacidade, coerência e honestidade.

            Afinal, o Carnaval já está aí, às portas. E mesmo com pandemia, vamos nos divertir. A máscara não pode ser de paetês, mas vamos usar a outra a que já estamos acostumados, para nos proteger do vírus e da tristeza. Vamos vestir a fantasia, mas tirá-la antes que cheguem as próximas chuvas. Porque, atrás delas, virá o habitual cordão de caos, horror e tragédia.