Sem segurança, arte vira cinzas
A perda da maior parte das obras de Hélio Oiticica é mais uma consequência da falta de respeito com que a arte é tratada neste País. É o mínimo que se pode afirmar após o incêndio que atingiu, na última sexta-feira, a casa do irmão do artista, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro. Se somarmos este a outros incidentes, teremos uma boa idéia da falta de recursos e do pouco caso com a segurança das obras de arte no Brasil.
Incêndios, perdas e roubos de obras não são novidade por aqui. As notícias se sucedem, mas não sensibilizam autoridades nem demais responsáveis. A grande maioria da população, por sua vez, com sua crônica falta de interesse pela cultura, não reclama. E assim vamos caminhando, eufóricos com a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas, mas fornecendo combustível para a fogueira onde a arte é atirada.
Há também brigas entre egos inflamados e tentativas de se levar vantagem. Enquanto isso, trabalhos importantes permanecem em exposição sem cuidados básicos ou ficam amontoados em alguma sala escura e mal ventilada.
No caso do acervo de Hélio Oiticica, declarou César, o irmão e dono da casa, que estava em local com sensores de temperatura e umidade, além de alarme anti-incêndio. Só que um possível curto-circuito iniciador do fogo não foi capaz de fazer o alarme funcionar e, em pouco tempo, pinturas, esculturas, os famosos parangolés e até textos manuscritos nos quais o artista exprimia seu pensamento desapareceram.
O prejuízo material foi avaliado em US$ 200 milhões – as obras não estavam no seguro. Já se fala em tentativas de refazer alguma coisa salva das cinzas e existem ainda registros em CDs e arquivos de computador não atingidos pelo fogo. Discordâncias entre a família do artista e o Centro de Artes Hélio Oiticica, da Prefeitura do Rio, em nada contribuíram para a segurança dos trabalhos.
Falecido em 1980, Oiticica começou a se destacar internacionalmente nos anos 50. Morou algum tempo
Pode-se gostar ou não de seu trabalho contemporâneo, concordar ou não com suas idéias. Mas não se pode negar a repercussão nacional e internacional de sua obra. Com a notícia do incêndio, que provavelmente teve mais destaque no exterior do que no Brasil, fica a pergunta: que país terá coragem de enviar para ser exposta aqui qualquer obra valiosa? Afinal, se nem cuidamos do que é nosso...