quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Natal 2021

 

                       

                   Os “Jesuses” da Arte e da Vida

 

                                                            

        Quando a Arte bateu à porta da Vida, foi recebida com alguma desconfiança. Levava gravador e parecia um pouco deprimida. Mas, com sua facilidade de conquistar admiradores, logo o ambiente se descontraiu e a conversa fluiu como entre duas velhas amigas. A Vida queria saber como a Arte resistia a tantos golpes que tentavam fazê-la pequena e insignificante.

            A Arte perguntava como a Vida resistia a tanto sofrimento, tanto empecilho à sua continuidade. Como era época de Natal, o assunto acabou dominando a conversa e logo a Arte preparou seu gravador para entrevistar a Vida. Foi bastante franca ao informar que seu objetivo era se inspirar na Vida para criar temas fortes, que atraíssem mentes comprometidas com o mundo mágico que ela era capaz de criar.  

            O Natal, por exemplo, fértil em dramas e também em histórias de solidariedade e amor, era um ótimo tema para a Arte. Foi a Vida que lembrou o início de tudo, há mais de dois mil anos, com o nascimento de um Menino, segundo os livros sagrados, em um ambiente pobre, mas protegido pelo amor de seus pais. No meio de uma sofrida viagem obrigatória para um recenseamento, Ele nasceu em um estábulo, foi envolto em panos por sua mãe e acabou adorado por pastores e reis magos, avisados do nascimento de Alguém especial por anjos resplandecentes.

            A Arte logo viu ali um belo tema para trabalho, e se pôs a imaginar o quanto poderia produzir. Pinturas e desenhos reproduzindo a história, contos e romances nela inspirados e uma infinidade de outras expressões de que poderia se valer. Mas, também pensou em quantos temas tristes poderia criar a partir dali.

            A Vida não se fez de rogada e passou a contar histórias de crianças mal amadas, torturadas e mortas por pais e responsáveis, que deveriam protegê-las e amá-las. De recém-nascidos gerados por acaso e contra a vontade de suas mães, descartados no lixo por elas. De pequenos famintos amontoados em barracos e dos mais abastados, ignorados pelos pais preocupados com suas próprias vidas.

            A Arte se emocionou, lembrando-se de quanto já havia criado inspirada nessa realidade. E perguntou à Vida: “O que o mundo está fazendo com esses pequenos Jesuses? Por que seus pais não os amam e protegem, como os pais do Jesus dos livros sagrados”? Depois, ponderou que só por esse episódio, lembrado pela Vida, já tinha valido a pena a visita e a entrevista. Agora, tinha a certeza de que a Vida era mesmo sua maior inspiração, capaz de torná-la mais forte e atraente.

            Mas se surpreendeu com o sorriso da Vida: “Você ainda não percebeu quantas vezes é você que me inspira? Quando você conta uma história triste de miséria e sofrimento, amenizada pela ação bondosa de alguém, quantas pessoas você inspira a imitar esse gesto, saindo em socorro dos mais necessitados? E quando você cria uma cena de heroísmo, quantos heróis da vida real, alguns anônimos, têm gestos admiráveis para ajudar e defender”?

            A Arte olhava, pensativa, o belo anjo esculpido em cores suaves, que se sobressaía no presépio que decorava a casa da Vida. Pensou nos anjos que teriam anunciado a chegada do pequeno Jesus. Percebeu que ela e a Vida compartilhavam dor e alegria. Sorriu e finalmente entendeu que elas mutuamente se imitavam!