quinta-feira, 25 de abril de 2024

Luiz Felipe - 10 anos

 

                 Vovó “apanha” no videogame

 

Fui fazer companhia para você, em sua casa, enquanto a mamãe saía com o João. Você, com aquela carinha de sapeca, anuncia solenemente: “Vou jogar videogame!” E logo acrescenta: “Vem, vovó!” E eu, ingenuamente, achando que ia só ficar vendo você jogar, concordo. Acomodada em uma cadeira ao seu lado, me admiro com a facilidade com que você manuseia o equipamento do jogo e consegue “dirigir” carros, acumulando pontos e “vidas”. Até que você, muito sério, me passa a outra “direção” e determina: “Vamos ver quem vence a corrida. Escolhe um carro, vovó.” Levo um susto, mas decido encarar o desafio. Só para levar uma “lavada” de você, me atrapalhando toda – mesmo com as suas pacientes explicações – e perdendo vergonhosamente.

            Esse é você, Luiz Felipe, meu lindo e irrequieto netinho, que chega aos 10 anos com fôlego total e personalidade decidida, encantado com o lado bom da vida e não se deixando abater quando chegam as dificuldades. É o nosso Tite, que adora brincar com o irmão João Vitor ou com os muitos amigos, mas também gosta de se divertir sozinho com seus Legos, seus lápis de desenho e tintas de pintura. É você, ainda o “grudezinho” da mamãe e o amigão do papai. É você, o grande amor (ao lado do João, claro!) dos vovós Ana, Paulo, Janne e Santiago.            

            E é você, com seu rostinho de sapeca, fazendo sinal com as mãozinhas por trás da mamãe enquanto ela avisava os vovós – preocupada em proteger a sua saúde e a do João – para não comprarem chocolate para a Páscoa. Mas você fazia gestos pedindo um chocolate pequeno, com aquela expressão que conhecemos bem, o que torna o pedido impossível de não ser atendido...

            O futebol continua sendo bem importante e você vai todo feliz para as aulas, não só porque vai jogar, mas porque vai encontrar os amigos e se divertir muito. A música é outra atividade de que gosta, e você continua arrasando na bateria. No fim do ano, no concerto de encerramento da escola de música, papai foi o “convidado especial” e tocou com você e João. Sucesso total, com a plateia aplaudindo de pé e você com uma expressão de pura felicidade!

            Continua gostando, às vezes, de se afastar e se divertir sozinho com desenho e jogos no tablet (Minecraft está em alta atualmente e você gosta de assistir ao rap do Minecraft na TV). Mas também sabe movimentar um ambiente, com suas risadas e brincadeiras com o João Vitor. Esperto e decidido, anuncia o que vai fazer e já se põe em ação, como quando, em um dia que fui passar em sua casa, você anunciou que ia me mostrar como fazer para abrir as torneiras do box, e já saiu correndo na minha frente para dar uma demonstração “ao vivo”. E quando eu precisava fechar um saquinho de batatas fritas, foi logo buscar um pregador de roupas e explicou: “A mamãe às vezes me dá um destes.”

            Foi assim também há um ano, na comemoração do seu aniversário. Não parou um minuto nas brincadeiras com os amigos da turma da escola, e na hora de comer bolo – de chocolate, claro! – quis repetir: “Eu sou o aniversariante, tenho direito!” Mas, quando almoça na casa da vovó Ana, não gosta de encontrar cebola na comida: “Tira esses fiapos do prato!”

            De manhã cedinho, vovó Ana fazendo ovo mexido para você e seu irmão comerem no café da manhã, antes de irem para a escola. Você passa por trás de mim, confere a frigideira, eu pergunto se está certo e você faz um sinal positivo. Estou aprovada em ovos mexidos!

            Já passear e viajar é com você mesmo. Chegou todo feliz, anunciando em casa que a escola ia levar para um acampamento de três dias. E já emendou: “Eu vou, viu?” E foi mesmo, divertiu-se muito, mas sentiu falta da mamãe, principalmente na hora de dormir. E como o irmão também estava no acampamento, o João foi “convocado” para ficar mais com você, tarefa que desempenhou muito bem, permitindo que ambos se divertissem a valer, em todos os brinquedos e atividades.

            Em Foz do Iguaçu, ficou empolgado com a natureza e as cataratas. E demonstrando bem sua personalidade divertida, gritava no passeio de barco com mamãe, papai e João, em baixo da queda d´água: “Molha mais! Molha mais!” É essa mesma personalidade divertida que transparece em conversas com a família. Em casa da vovó Ana e vovô Paulo, me pede: “Imita a pomba, vovó!” Só para dar risada do fato de eu reclamar muito dos pombos e passarinhos que não saem da área descoberta do apartamento.

            Vovô Paulo perguntou: “Você sabe o que é macaxeira?” E a resposta veio na hora: “Sei. É um abacaxi que cheira muito!”... Na rua, passando por um prédio torto, comentou: “Eu não moraria nele!” Quando ouviu a explicação de que os engenheiros já garantiram que não tem perigo, veio uma “aula”: “Sério? Porque as fundações dele devem estar muito ruins. Muita areia.” E logo explicou, todo orgulhoso, que tinha aprendido na escola.

            Assim você cresce, Luiz Felipe. O nosso Tite que ainda gosta de brincar de supermercado quando vai na casa dos vovós Janne e Santiago. Que a cada dia aperfeiçoa seu desenho tendo como modelos animais e objetos que escolhe na web. Que ainda curte fantasia de Carnaval – este ano fez sucesso na escola com a fantasia de Sonic – e que continua com a criatividade em alta.

            Nestes dez anos de convivência, nós assistimos à sua personalidade ir sendo moldada, acompanhamos seu progresso nos estudos, enfim, fomos testemunhas de seu crescimento. Seus vovós e papais torcem muito por você e desejam que sua vida siga sempre um caminho iluminado, onde os inevitáveis obstáculos sejam transpostos com luta e determinação e onde as muitas vitórias sejam sempre recebidas com alegria. Quanto a esta vovó Ana, só posso desejar, como sempre, que você conte com a Proteção Superior para vencer e continuar espalhando alegria pelas estradas que trilhar!    

 

           

 

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quinta-feira, 14 de março de 2024

Armando Sendin

 Publicada em 14/03/2024 , na Tribuna Livre do jornal A Tribuna 

  

            Um tesouro em exposição


 Foi na época em que Santos fervilhava na área cultural, com festivais de teatro, grupos musicais e compositores eruditos e populares, literatura acadêmica e moderna, apresentações de concertistas e atores, shows de cantores e humoristas, todos nomes de destaque local, nacional e até internacional. Era arte de nível, em muitos casos, de ótimo nível. Valores locais e de fora movimentavam a área cultural e projetavam Santos no Brasil e exterior.

As artes visuais não ficavam fora dessa valorização cultural, com exposições coletivas e individuais se sucedendo, exibindo trabalhos das mais diversas tendências, influenciados por várias vertentes, do tradicionalismo ao modernismo, cubismo e dadaísmo, entre outras, mas, principalmente, pelo modernismo “brasileiro”, construído a partir da Semana de 22.

Foi nesse período de agitação cultural, décadas de 60 a 90, que o jovem Armando Sendin, professor, escultor, gravador e ceramista, já então um nome de projeção internacional, escolheu Santos para morar com sua esposa Sita, também artista plástica. A partir daqui, seu trabalho, que já havia ganhado o mundo, percorreu todo o Brasil e os mais diversos países, em mostras individuais e em prestigiados salões internacionais, conquistando os mais importantes prêmios.

São óleos, que incluem figuras em atividades do dia a dia ou no lazer, permeadas por leveza e transparência, em uma harmonia de cores que impressiona. E o mar, a grande inspiração, está muito presente, ajudando a compor um trabalho único, invariavelmente bem aceito pelo público e aplaudido pela crítica. Seu realismo não exclui o impressionismo, transformando sua produção em obra bastante pessoal.

Sua forte ligação com Santos fez com que escolhesse a Cidade para abrigar parte de seu acervo e assim, na noite de 7 de outubro de 2014, com a Pinacoteca Benedicto Calixto transbordando de amigos e admiradores, ele oficializou a doação à instituição de 127 quadros e 51 cerâmicas – outra técnica que dominava como poucos.

Pois é parte desse precioso acervo que poderá ser conhecida ou revista pelo público no Espaço Armando Sendin, nova ala especialmente criada na Pinacoteca para exposição permanente das obras do artista. Uma iniciativa inteligente da Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, que “abre o cofre” para expor um tesouro à visitação de santistas e turistas.

É mais uma homenagem ao artista que manteve sua ligação com Santos mesmo após mudar-se para Marbella, na Espanha, onde faleceu em 29 de julho de 2020, aos 92 anos, deixando obras expostas nas mais importantes coleções e em museus brasileiros e no exterior, em países como Espanha e Estados Unidos.

E é também uma homenagem à pessoa de Armando Sendin, homem simples, cavalheiro e cordial, que ajudou a projetar Santos nas artes plásticas internacionais. Lembrança de um tempo em que a arte santista alcançou um de seus mais altos níveis e produção cultural que muitas vezes se igualou às metrópoles!    

  

   

 

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Carnaval 2024

 Publicada na Tribuna Livre de A Tribuna em 03/02/2024


                 Cabrocha mentirosa

 

  “Mas chegou o Carnaval. E ela não desfilou”. Na bonita canção de Benito di Paula “Retalhos de Cetim”, o personagem é um sambista, que confessa ter chorado na avenida, decepcionado com a cabrocha que tanto amava e que o havia enganado. Tinha sido um ano inteiro sonhando, preparando-se para o desfile da escola de samba onde brilharia a mulher que havia jurado desfilar para ele. Mas ela não apareceu. Uma mentirosa!

Felizmente, ele desabafa em um samba e não vai atrás da cabrocha para se vingar. Nem facada nem tiro. Nenhum feminicídio. O som dos surdos e tamborins abafa seu lamento e as luzes e cores, aliadas ao brilho das fantasias de cetim, transformam a avenida em um espetáculo magnífico, aplaudido pelas arquibancadas e, via tecnologia, por todo o País e por muitos cantos do Planeta.

Assim é a vida. Há o som dos bumbos e surdos e há o som das bombas caindo sobre populações inocentes em guerras intermináveis e injustificáveis, ainda que os senhores da guerra tentem justificá-las. Há crianças desfilando na avenida, em ricas fantasias e com todas as restrições e cuidados devidos à sua faixa etária, e há os meninos em roupas cinzas como eles, tentando se infiltrar na área do desfile para poder ver um pouco daquele deslumbramento e sonhar com uma vida colorida, menos miserável.

Há as belíssimas mulheres sambando no asfalto ou nos carros alegóricos, exibindo corpos perfeitos, resultado de altos investimentos na indústria de cosméticos, e há as mulheres da limpeza, em seus uniformes de gari, garantindo a subsistência de suas famílias, mas nem por isso deixando de se divertir e sambar no ritmo das escolas.

Há os policiais, bombeiros, médicos e enfermeiros em seu árduo trabalho de garantir a ordem e defender a saúde e a vida humanas, e há os que assaltam, roubam, matam e estupram sem jamais se preocuparem com a desgraça e o sofrimento que causam.

Assim é a vida! É feita de extremos, de paradoxos, de alegrias, euforia e, também, de profunda tristeza, decepção e desistência. Reflexo do ser humano, transitando entre o bem e o mal. Poderia ser diferente se houvesse um olhar mais suave para o outro. Se o que muitos chamam de espiritualidade, outros de caráter, prevalecesse.

 O rol de maldades é infindável; o materialismo e o imediatismo predominam e o individualismo não deixa espaço à solidariedade e ao socorro. O sofrimento causado por gestores do bem público corruptos e incapazes é, muitas vezes, fatal. Os ilusionistas do viver estimulam o vazio, gerando seguidores fanáticos, sem raciocínio, resultando em uma população sem cultura, presa fácil dos falsos “experts”. Assim é a vida! Que poderia ser melhor se pensássemos mais e nos pavoneássemos menos.

Mas chegou o Carnaval! Tempo pouco propício à reflexão porque o que predomina é a fantasia. Física ou psicológica. É tempo de esquecer as mazelas e se divertir. É tempo de rir e não de chorar, como o sambista de “Retalhos de Cetim”. Quem sabe a cabrocha não foi desfilar preocupada em deixar os filhos na casa ameaçada pela enxurrada, já que as obras que deveriam contê-la foram paralisadas pelos gestores públicos. Quem sabe ela também chorou por não poder ir para a avenida e por decepcionar o sambista, seu grande amor!