domingo, 15 de agosto de 2010

Turismo em Santos: para rir e pensar

Esta crônica foi publicada em “A Tribuna”, na coluna “Tribuna Livre”, em 19 de janeiro de 1999. Decidi postá-la para os amigos avaliarem os problemas que tínhamos na época, no setor de turismo, e o que já foi feito ou vem sendo feito ou está prometido... Em mais de 11 anos, acho que já poderíamos estar bem mais adiantados. Infelizmente, ainda continua valendo a minha última frase da crônica: que raiva!

Muito além de “bonitinha”

Prestando tributo à irreverência e à ironia cariocas, conta-se por aí uma rápida história cujo pano de fundo só podia ser mesmo o Rio de Janeiro: dois gringos chamam um táxi de agência especializada em turistas estrangeiros e pedem para conhecer a capital carioca.

Encantam-se com a beleza das paisagens que se sucedem, entusiasmam-se com o esplendor do clima tropical, admiram-se de não haver jibóias nem sucuris atravessando as avenidas asfaltadas e quase não se contêm diante da natural sensualidade das muitas garotas de Ipanema.

O motorista vai contando – no melhor inglês de que dispõe – origem e história dos principais pontos turísticos. Os visitantes estão deslumbrados, mas de repente se lembram de que o País é emergente, ou periférico, tanto faz, o importante é que o termo esteja politicamente correto. Subdesenvolvido, nem pensar. Não faz mais parte do vocabulário deles. Só de seus pensamentos.

Para disfarçar o entusiasmo pelo Rio e, também, para impressionar um ao outro e, principalmente, ao motorista nativo, começam a contar vantagem: “Em meu país”, diz um, “a tecnologia é avançadíssima. Imagine que acabamos de construir uma rodovia de mil quilômetros, com vinte pistas, em apenas dez dias”!

O outro, para não ficar atrás: “Bem, mas em meu país estamos ainda mais avançados. Inauguramos um arranha-céu de 200 andares, que foi construído em uma semana!” O motorista, pasmo com a desfaçatez de seus passageiros, decide mineiramente ficar em silêncio. Mas é quando passam em frente ao Maracanã que a vingança tem sabor carioca.

Alvoroçados, os gringos perguntam: “O que é isto? Esta construção tão grande?” E o motorista, com indiferença: “Não sei. Ainda ontem passei por aqui, e não tinha nada nesse terreno...”

A lembrança dessa historieta vem a propósito de declarações de turista estrangeiro em visita a Santos: “É uma cidade bonitinha...” Ai, que vontade de retrucar com o mesmo espírito do motorista carioca: “É que nós nos esforçamos. Erguemos o Monte Serrat em uma semana e desviamos a água do Atlântico para a nossa baía em apenas dez dias. Só para agradar aos visitantes!”

Ainda poderíamos acrescentar mais alguma coisa, especialmente para aquela outra turista de nariz empinado, que desceu do navio e declarou às câmeras de TV, com ênfase em seu desdém: “Desembarcar em Santos, não dá! É o fim!” Diríamos que não é culpa nossa. Que gostaríamos muito que ela tivesse outra impressão. Que fizemos o possível, por exemplo, para tornar mundialmente conhecido aquele rapazinho negro que jogava futebol muito bem, usava a camisa 10 do time que tem o nome da Cidade, aquele atleta que atende pelo nome de Pelé. Talvez ela até conheça!

Ah! Poderíamos também dizer que nosso empenho sempre foi tanto, data de tanto tempo, que até Brás Cubas se engajou na campanha para oferecer boas atrações aos turistas e decidiu... fundar Santos. Foi o ponto de partida para criar uma História rica, com personagens e lugares de importância fundamental para a consolidação do Brasil.

E muito mais teríamos para retrucar às críticas irônicas ou insolentes, às vezes feitas sem qualquer critério até pela mídia nacional, se nossa boa educação permitisse e se... É, temos um se, como a pedra no caminho do poeta. Não apenas um, mas vários.

Se soubéssemos, por exemplo, aproveitar melhor o potencial turístico-religioso do bondinho e da capela do Monte Serrat, agora que o prédio do antigo cassino foi recuperado; se tivéssemos força para exigir dos responsáveis a despoluição do nosso mar; se fôssemos corajosos o suficiente para impedir o caos no desembarque dos cruzeiros marítimos.

Mais: se já houvéssemos conseguido capitalizar para a Cidade a fama e o respeito que Pelé conquistou em todo o mundo; se entendêssemos a importância da História e os benefícios que o passado pode gerar para o presente; se nos preocupássemos, sim, com megaprojetos turísticos e sua relação com o meio-ambiente e nossa qualidade de vida, sem, no entanto, nos esquecermos de coisas simples e básicas, como calçadas livres de dejetos de animais; se, se...

A relação vai longe. E nós não podemos perder mais tempo. Temos à frente do Turismo de Santos uma pessoa empreendedora, que não gosta de engolir pérolas de visitantes irônicos. Uma boa saída para evitar esse constrangimento é aproveitar o que já temos, criar condições de divulgação, organização e segurança para explorar ao máximo nossas atrações.

Se em algumas cidades do Interior uma simples pedra no morro é visitada e admirada por embasbacados turistas só porque sua forma é diferente e conta-se uma lenda a respeito dela, imagine o que poderíamos fazer com a nossa Lagoa do Morro da Nova Cintra! E com jacaré, então!...

Agora mesmo, neste verão-com-chuva, temos circo, parque de diversões, arena esportiva, shows de música popular, mas também temos atrações culturais imperdíveis, como a retrospectiva da artista plástica Niobe Xandó na Pinacoteca e o concerto do pianista Antônio Eduardo dos Santos, sábado, no MISS. Será que os turistas sabem disso?

Ou será que eles continuam achando que Santos é bonitinha? É hora de reagirmos, para responder aos inconvenientes com o mesmo espírito do motorista carioca. Ai! Que raiva não poder fazer isso já!

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