Olá amigos. Aí está a crônica que foi publicada na edição de 09/10/09 , no jornal “A Tribuna”. Também postei a imagem digitalizada, como saiu na página 2 do jornal
O galo que gostava de gente
Inesquecível é o sol das manhãs de primavera na imensa varanda do casarão da minha infância. Dali, podia ver o quintal, onde árvores frutíferas garantiam o ar fresco até mesmo quando os dias iam se tornando mais quentes. Ali, eu olhava, brincava e sonhava. Pois foi nessa varanda dos meus sonhos que aconteceu o que, para mim, foi admirável. Havia cachorros no casarão, havia pássaros nas árvores, mas o pintinho comprado na feira era o centro das minhas atenções.
Bem alimentado, bem tratado, “ouvindo” minhas confidências, logo se tornou um frango esperto e, pouco depois, um imponente galo branco, de peito estufado e crista altiva. Não era considerado animal de estimação, não fazia gracinhas nem abanava o rabo. Até o dia em que resolveu demonstrar suas “emoções”. Na manhã preguiçosa, sentada em um banquinho, estiquei as pernas. Silenciosamente, ele veio. Fez o possível para chamar minha atenção, e eu fingi que não o estava vendo. Foi quando ele começou, cuidadosamente, a “escalar” uma de minhas pernas.
Apesar da surpresa, permaneci imóvel. A escalada continuou até meu colo e, quando ele se sentiu seguro, começou a fazer, baixinho, o som que sempre fazia quando “conversava” comigo. Não queria alimento, só queria atenção. A partir desse dia, a cena se repetiu muitas vezes, naquilo que interpretei como demonstração de carinho.
Na verdade, apesar de tudo o que aprendi a respeito do cérebro dos galos – do tamanho de uma ervilha –, até hoje penso se não era isso mesmo. Um simples galo, de cérebro pequeno, mas com apego ao ser humano! E penso nos homens que escalaram o muro de uma casa para roubar e aterrorizar os moradores. Em busca de um possível cofre, não se detiveram nem com a presença de uma criança. Ao contrário, usaram-na nas brutais ameaças aos adultos.
E penso no assaltante que, ao verificar que sua vítima não tinha dinheiro, atirou contra ela e contra a criança de pouco mais de um ano que o homem carregava no colo. Na Guiné, onde, por participarem de ato em favor da democracia, mulheres foram estupradas e homens, fuzilados. Nos homens-bomba a se explodirem em nome de Deus e a levarem com eles dezenas, centenas de inocentes. Nos pais que vendem seus filhos para a prostituição e até para serem transformados
Como em um carrossel de terror, a violência se sucede no Brasil e no mundo. Algumas vezes, por golpe de sorte ou porque o Poder Superior assim determina, vítimas escapam com vida, mas com ferimentos no corpo e na alma. Os do corpo curam-se, já os da alma...
No entanto, os autores de tamanhas atrocidades têm cérebro complexo, podem raciocinar. Mas não demonstram qualquer emoção. Sem sentimentos, não agem como gente. No lugar de contribuírem para a evolução, voltam aos tempos da barbárie. Culpa de quem? Da fome e da miséria? Do fanatismo? Da falta de educação? Dos governos? Da sociedade? Nossa?
Um pouco de tudo. Razões são muitas, cada bandido, cada causador de sofrimento tem uma história para contar, quase sempre datada do início de suas inúteis vidas. Mas eles podem pensar e sentir. Se não o fazem é porque não querem, anestesiados pela maldade. O semelhante, para eles, é nada, assim como nada significam a repressão do Estado ou os caminhos além do mundo material. Enfim, não são humanos. Seriam animais? Penso no galo de cérebro pequenininho que gostava de gente. Não, os animais não merecem essa ofensa.
2 comentários:
Parabéns pelo blog!
Ana o grande problema do mundo não são os animais "irracionais", são as atitudes irracionais dos animais "racionais".
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