quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Fogos proibidos

Aqui, uma crônica a respeito da proibição dos fogos em Santos. Sou contra e explico o porquê. Mas, respeito opiniões contrárias, inclusive de alguns amigos. Para os que compartilham meu ponto de vista, aqui vai o texto.


        A demissão dos santos juninos




Atenção, Santo Antônio, São João e São Pedro: estão os três dispensados de suas funções de santos das Festas Juninas. É que a tradição não pode mais se manter: há muito tempo já não é possível soltar balões, pelo perigo que representam; fogueiras, nem pensar, já que quintais e áreas livres desapareceram, expulsos pela expansão imobiliária; restavam às quermesses, os pés de moleque, “mexicanos”, quentão e... fogos de artifício!

Os coloridos e artísticos, bem mais raros por serem mais caros, riscavam as noites já não tão escuras, iluminadas pelas luzes da cidade grande, e os barulhentos garantiam o clima da época e a alegria dos “caipiras”, que dançavam quadrilha e se divertiam no jogo de argolas. Mas, agora, os fogos barulhentos foram banidos de Santos, em nome da proteção aos sensíveis ouvidos dos “pets” adorados por seus donos. Portanto, caros Antônio, João e Pedro, com festas juninas desfiguradas, estão demitidos. Não pela crise, mas pelo fim da tradição.

Também os senhores artilheiros e os torcedores de futebol devem ficar olhando para o céu, após a marcação do gol e a conquista do título, para assistir à comemoração com fogos artísticos, em silêncio total, apenas cortado pelos palavrões dos torcedores adversários.

 Igualmente as belas passistas, musas, os cantores e ritmistas das escolas de samba estão proibidos de sentir a adrenalina de entrar na passarela ao som dos fogos. Que se contentem em observar o colorido da pirotecnia, se suas escolas tiverem dinheiro para isso.

E quanto ao Réveillon, iremos todos à praia para ver os fogos artísticos. À meia-noite, olharemos uns para os outros, ligaremos nossos aparelhos de som em nível ensurdecedor, para preencher o silêncio, gritaremos e explicaremos aos espantados e desavisados turistas que nossos “pets” estão protegidos em suas casas. Ah! Também, como bons santistas, continuaremos apregoando, todos orgulhosos, que nosso Réveillon já foi considerado o segundo melhor do Brasil.

Gosto de animais domésticos, reconheço neles o amor e a fidelidade não encontrados na maioria dos humanos. Sim, o barulho de rojões incomoda os animais. Não só os “pets”, mas os outros também, abandonados nas ruas, sem que nenhuma lei tenha sido proposta e aprovada para minimizar seu sofrimento.

Aliás, imagino o que crianças e famílias inteiras moradoras de rua, mais seus cachorros e gatos, sentem ao ouvir o barulho dos fogos. Nem medo, nem susto, mas talvez a vontade de participar da festa, estar inseridas no contexto de uma sociedade acolhedora, com leis que as protegessem e oferecessem reais condições de dignidade.

Santos, a tão decantada Cidade turística, não pode ser assim chamada enquanto tiver seres humanos e animais abandonados à própria sorte. Enquanto interesses particulares se sobrepuserem aos coletivos.  Fogos prejudicam os “pets”, mas não são contínuos. E seus donos, que os amam, precisam abrir mão de se divertir para, quando necessário, ficar ao lado deles, acalmando-os. Quem ama, cuida.

Com tantos problemas de educação, saúde, segurança e cultura, é realmente estranho que vereadores e prefeito se preocupem em proibir fogos de artifício! Outros barulhos, contínuos, que impedem o descanso de boa parte dos cidadãos, não merecem tanta atenção. Que o digam os moradores das proximidades da praia, atormentados pelo barulho das motos que transformam a avenida em pista de corrida, durante toda a noite e madrugada!

Ou os que moram na Ponta da Praia e proximidades, impedidos de dormir graças ao som de apitos e manobras dos trens no porto! Aliás, tanta gritaria – e até proibição – por causa dos lindos e melancólicos apitos dos navios, para ficarem com os irritantes apitos dos trens!

Mas, o mais triste de tudo é constatar que estamos nas mãos de ONGs que só enxergam o bem-estar dos animais. Elas influenciam pessoas a olhar apenas para seus próprios interesses, sem se importar se – como neste caso da proibição de venda e queima de fogos – estão causando desemprego, deixando famílias sem sustento em tempo de crise severa.

O que causa espanto e medo é a inversão de valores: animais de estimação importam mais do que gente! E as pessoas que pensam assim querem mandar, determinar, impor seu ponto de vista e sua conveniência! Animais devem ser amados, bem tratados e cuidados, mas não podemos nos esquecer de que são bichos.

 E de que não só os pets, mas todos os animais merecem esses cuidados. O que, convenhamos, está bem longe de acontecer nesta Cidade, com tantos bichos abandonados nas ruas, sem que medidas sejam tomadas para evitar seu sofrimento.

         Enfim, parece que perdemos de vez o bom senso: em vez de fiscalizarmos e termos a quem denunciar barulhos abusivos, ajudando a transformar nossa Santos em Cidade realmente turística, proibimos os rojões. Caminhamos para nos transformar em reduto de idosos. E expulsamos a alegria e o clima festivo que, aliás, atrai cada vez mais idosos de bem com a vida. Santos é praia, mas também é futebol, é samba, é descontração! E deveria ser beleza! Deveria ser Vida!

3 comentários:

Joaquim Ordonez disse...

Parabéns pela lucidez do texto Ana. Penso exatamente como você. Há milhares de anos se soltam fogos na passagem do ano e, de repente vamos passar a conviver com o silêncio para agradar os donos das poderosas Ongs. É mais uma tradição que se acaba por causa da questionável intransigência da turma do não, assim como já havia acontecido com os apitos dos navios de passageiros que deixam o porto. Estão acabando com o pouco que ainda resta de atividades alegres na cidade. Se a coisa continuar nesse rítmo, daqui a pouco vamos ficar também sem o carnaval de rua, que já foi um dos animados do país. E concordo com você, pois, se o barulho dos eventos tradicionais e sazonais incomodam, deveriam proibir também o apito dos trens, o ronco das motos e carros, as sirenes das ambulâncias, das viaturas policiais e dos bombeiros. E, nessa linha, seguem também o barulho do caminhão de lixo, do caminhão de entrega de gás e do vendedor de ovos. Santos, que já foi chamada de Cidade Vermelha pela agitação de sua gente e de suas entidades logo logo vai ficar conhecida como a cidade do silêncio. Uma pena.

Eliana Pace disse...

Na verdade, Santos tem vergonha de ser considerada uma cidade turística. Lembram da pressão contra a Concha Acústica? E do veto aos apitos dos navios?Mais um pouco e proibirao os bailes na Fonte do Sapo e o Chorinho da Ponta da Praia. Quanta idiotice...

Ana Maria Sachetto disse...

Pois é, amigos Joaquim e Eliana! Mas parece que estamos cada vez mais nas mãos da turma do "não". Abraços.

Postar um comentário