A mágica música do coração
A
menina, tímida a princípio, foi-se aproximando dos instrumentos musicais
diferentes do que estava acostumada a ver. Olhou as outras crianças movimentando-se
entre xilofones, sinos, timbales, pandeiretas e metalofones. Em poucos minutos,
estava tirando sons de um xilofone. “Sentia” a música antes de “pensá-la”. E
mergulhava em um universo mágico de movimentos, sons, palavras e instrumentos.
Era este um dia típico na vida da
musicista, professora, psicóloga e escritora Adriana de Oliveira Ribeiro. Seus
pequenos alunos das turmas de Iniciação Musical do Conservatório Lavignac eram
mola mestra de uma vida inteiramente dedicada à música. Uma história que
começou logo após a formatura da jovem pianista.
Inconformada com os áridos métodos
tradicionais do ensino da música, Adriana começou a procurar novos caminhos e
muito cedo intuiu que a criatividade era a chave de tudo. Estudou, pesquisou mestres
que, como ela, buscavam a inovação. Foi-se aperfeiçoando até chegar ao método
do alemão Carl Orff, que se baseava em ideias semelhantes às suas.
Adotou, então, os instrumentos Orff e
se transformou em pioneira no Brasil do ensino que primeiro leva os sons aos
sentimentos e ao coração, para depois debruçar a mente em escalas, pautas,
sustenidos e bemóis. Assim foram revelados inúmeros talentos musicais e
formados profissionais das mais diversas áreas que tiveram na música a base de
tudo.
“Vivendo” princesas, fadas, cavaleiros
e soldados, as crianças – e os pré-adolescentes – se envolviam na música, em
lendas e em fatos da História, que Adriana adaptava às idades de seus alunos.
Foi tão importante esse trabalho revolucionário que, após muitos pedidos,
escreveu um livro – A Música de Todos os Tempos – Relato de uma Experiência –
em que ela conta essa “aventura” que deu certo e que projetou o nome de Santos
e do Brasil até no exterior.
Culta, estudando e pesquisando constantemente, ela amava
a literatura, em especial a poesia e os grandes poetas. Era formada também em
Psicologia, que utilizava para lidar com crianças de maneira lúdica e
carinhosa, e com adultos de modo cativante. Suas observações divertidas eram
parte de sua personalidade extrovertida. Mas, a seriedade de seu trabalho nunca
era relegada.
Como de hábito no Brasil, sua dedicação à arte e
cultura enfrentou dificuldades. Teve, muitas vezes, que superar obstáculos,
mas, com obstinação, manteve – ao lado de Rosário Guillaume – o
Conservatório Lavignac em plena atividade.
Outra paixão foi a regência do Madrigal Lavignac, cujo
repertório de qualidade, que variava das canções medievais à música
contemporânea, era escolhido cuidadosamente por ela. Era exigente nos ensaios,
mas gostava de uma boa história contada pelas cantoras. Entremeava às músicas,
textos referentes às épocas das composições, aos temas ou aos autores. Tudo
escrito e pesquisado pela regente, transformando concertos em espetáculos
inesquecíveis.
Como professora de piano, era querida e respeitada.
Como compositora – escreveu muitas peças curtas para as turmas de Iniciação
Musical – era admirada e aplaudida por pais e pelo público. Em suas inúmeras
atividades voltadas à música era sinônimo de bom gosto e determinação.
Sua partida repentina deixou amigos, parceiros de
trabalho e admiradores sem uma das maiores referências da cultura musical
santista e brasileira. Que ficamos muito mais pobres artisticamente, não há
dúvidas. Que os Planos Superiores estão musicalmente mais ricos, também. Que os
pequenos anjos estão felizes com a chegada da mestra, com certeza. Mas que dói
nos corações de quem a amava, dói! E muito!
2 comentários:
Se a Adriana pudesse de onde ela está ler o que voce escreveu sobre ela, com certeza com aquela modéstia que lhe era peculiar, diria, a Ana escreve bem mas acho que não sou tudo isso. Mas na verdade, voce retratou exatamente o que ela era, e com seu toque mágico, poetizou todo o trabalho dessa amiga querida, que deixou esse vazio imenso no coração daqueles que tiveram o previlégio de com ela dividir suas aventuras no pais dos sons. Obrigada Ana, por essas palavras tão lindas.
Não, Rosário. Obrigada à Adriana, pelos caminhos que ela percorreu e sinalizou.
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