domingo, 14 de março de 2010

Visita ao Itororó

Decepção no colorido Itororó

Domingo, dia 2, 13h30. Tempo bom, calor, sol agradável. Horário de praia, mas, para outros gostos, também horário de passear, percorrer belos pontos da Cidade. Para o santista que está recebendo amigos de outras terras, uma bela oportunidade de levá-los aos melhores lugares turísticos. Por que não o Monte Serrat? Lá de cima será possível ter uma bela vista de Santos, identificar principais ruas e avenidas, ver o porto, o mar. Fica então combinado: primeiro, o Monte Serrat, depois almoçar em local agradável, com boa comida, sem exagero nos preços.

O grupo segue de carro, alegre, para o Centro. No meio do caminho, um dos santistas tem a (in)feliz idéia de contar a história da Fonte do Itororó, entrar em minúcias, dizer que segundo muitos historiadores foi a fonte que inspirou a célebre canção infantil “fui no Itororó, beber água não achei...” Imediatamente os turistas aumentam seu grau de animação, querem saber mais, não se cansam de perguntar.

Quando o santista-que-ama-o-Itororó informa que, na volta do Monte Serrat passarão em frente à fonte, os turistas iniciam uma minirrebelião: nada disso, primeiro o Itororó, depois o Monte Serrat. Mas é caminho de volta, argumentam os locais, sem conseguir convencer os rebelados. Diante do impasse e sendo os anfitriões bem-educados, concordam em passar primeiro na fonte.

Infeliz idéia, reconheceriam mais tarde. Já de longe é possível ver que algo estranho está acontecendo. São tantas e tão variadas cores ao redor da fonte que das duas uma: ou há uma intervenção artística no local ou o Itororó mudou-se. Mas a realidade é bem pior que a fantasia. O que está amontoado ao redor da fonte é uma verdadeira mudança: pequenos móveis, madeiras, roupas, objetos pessoais e uma... bicicleta. Para aumentar a estupefação dos visitantes, uma trouxa de roupa repousa placidamente em cima da bica seca.

Ao redor da colorida mudança, três mulheres conversam tranquilamente, aguardando que alguém venha buscá-las e às suas tralhas ou, sabe Deus, que Ele lhes providencie um destino. Entre os visitantes o silêncio é total. Santistas envergonhados e turistas frustrados avaliam se vale a pena subir o Monte Serrat.

À primeira sugestão de deixarem esse passeio para outro dia, em uma próxima visita, imediatamente todas as vozes concordam. Ninguém fala, mas cada um pensa. Santistas temem que o morro esteja tão abandonado quanto a fonte. Turistas não conseguem disfarçar a decepção. E seguem lentamente em direção à Av. Senador Feijó.

Um caminho que só faz aumentar o baixo-astral: calçada suja, muro do quartel dos Bombeiros descascado, o quartel, uma construção tombada e cheia de encantos, entregue à própria sorte. O santista-que-ama-o-Itororó não consegue articular palavra. Os demais disfarçam. Um dos locais lembra que o Centro está sendo revitalizado, que é preciso dar uma volta de bonde, talvez mais tarde...

Decidem almoçar primeiro. Retornam à orla da praia, escolhem o restaurante, comem muito bem. O constrangimento parece ter passado, a decepção, esquecida. Até chegar a conta. É aí que a observação do turista, feita em tom casual e inocente, abala as estruturas da amizade entre aquelas pessoas: “Se os cuidados com o Itororó fossem tão grandes quanto esta conta, com certeza vocês teriam uma atração turística de nível internacional”.

(Escrita em 2004)

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