Decepção no colorido Itororó
Domingo, dia 2, 13h30. Tempo bom, calor, sol agradável. Horário de praia, mas, para outros gostos, também horário de passear, percorrer belos pontos da Cidade. Para o santista que está recebendo amigos de outras terras, uma bela oportunidade de levá-los aos melhores lugares turísticos. Por que não o Monte Serrat? Lá de cima será possível ter uma bela vista de Santos, identificar principais ruas e avenidas, ver o porto, o mar. Fica então combinado: primeiro, o Monte Serrat, depois almoçar em local agradável, com boa comida, sem exagero nos preços.
O grupo segue de carro, alegre, para o Centro. No meio do caminho, um dos santistas tem a (in)feliz idéia de contar a história da Fonte do Itororó, entrar em minúcias, dizer que segundo muitos historiadores foi a fonte que inspirou a célebre canção infantil “fui no Itororó, beber água não achei...” Imediatamente os turistas aumentam seu grau de animação, querem saber mais, não se cansam de perguntar.
Quando o santista-que-ama-o-Itororó informa que, na volta do Monte Serrat passarão em frente à fonte, os turistas iniciam uma minirrebelião: nada disso, primeiro o Itororó, depois o Monte Serrat. Mas é caminho de volta, argumentam os locais, sem conseguir convencer os rebelados. Diante do impasse e sendo os anfitriões bem-educados, concordam em passar primeiro na fonte.
Infeliz idéia, reconheceriam mais tarde. Já de longe é possível ver que algo estranho está acontecendo. São tantas e tão variadas cores ao redor da fonte que das duas uma: ou há uma intervenção artística no local ou o Itororó mudou-se. Mas a realidade é bem pior que a fantasia. O que está amontoado ao redor da fonte é uma verdadeira mudança: pequenos móveis, madeiras, roupas, objetos pessoais e uma... bicicleta. Para aumentar a estupefação dos visitantes, uma trouxa de roupa repousa placidamente em cima da bica seca.
Ao redor da colorida mudança, três mulheres conversam tranquilamente, aguardando que alguém venha buscá-las e às suas tralhas ou, sabe Deus, que Ele lhes providencie um destino. Entre os visitantes o silêncio é total. Santistas envergonhados e turistas frustrados avaliam se vale a pena subir o Monte Serrat.
À primeira sugestão de deixarem esse passeio para outro dia, em uma próxima visita, imediatamente todas as vozes concordam. Ninguém fala, mas cada um pensa. Santistas temem que o morro esteja tão abandonado quanto a fonte. Turistas não conseguem disfarçar a decepção. E seguem lentamente em direção à Av. Senador Feijó.
Um caminho que só faz aumentar o baixo-astral: calçada suja, muro do quartel dos Bombeiros descascado, o quartel, uma construção tombada e cheia de encantos, entregue à própria sorte. O santista-que-ama-o-Itororó não consegue articular palavra. Os demais disfarçam. Um dos locais lembra que o Centro está sendo revitalizado, que é preciso dar uma volta de bonde, talvez mais tarde...
Decidem almoçar primeiro. Retornam à orla da praia, escolhem o restaurante, comem muito bem. O constrangimento parece ter passado, a decepção, esquecida. Até chegar a conta. É aí que a observação do turista, feita em tom casual e inocente, abala as estruturas da amizade entre aquelas pessoas: “Se os cuidados com o Itororó fossem tão grandes quanto esta conta, com certeza vocês teriam uma atração turística de nível internacional”.
(Escrita em 2004)
Nenhum comentário:
Postar um comentário