quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Carnaval 2025

          Publicada em 26/02/2025 na Tribuna Livre, jornal A Tribuna


                        A bolsa de lantejoulas

 

A pequena bolsa, delicada e colorida, bordada com miçangas e paetês, destacava-se no alto da pilha de roupas para doação. A senhora, ainda elegante e bonita nos seus quase 80 anos, aproximou-se e pegou-a com cuidado, examinando-a com carinho. Depois de longos minutos observando-a, abriu-a vagarosamente. O sorriso em seu rosto e um certo ar de surpresa denunciaram que tinha valido a pena voltar sua atenção para a bolsa.

            Sentou-se com a bolsa sobre os joelhos e, lentamente, as antigas marchinhas e sucessos de Carnaval tomaram conta de seus pensamentos, ressoando por sua mente como se bandas e orquestras ali estivessem. O som que só ela ouvia transportou-a para o salão do clube onde vivera tantos carnavais.

            Cantarolou baixinho os sucessos do século passado, deliciando-se com algumas obras-primas de criatividade, inspiradas em amores e personagens do Carnaval. A melodia era bonita, e havia também o som mais agitado e alegre, com críticas pertinentes aos problemas da época. As marchinhas convidavam quem estava fora a entrar no salão. No início, a grande maioria dos foliões usava fantasias, brilhantes e coloridas. E ainda se formavam cordões no salão, imitando os cordões de rua, com fantasiados, mascarados ou não, cantando e dançando uns atrás dos outros.

            A memória conduziu-a para alguns anos mais à frente e só nesse momento ela constatou como tudo havia mudado em poucos anos. Já quase não havia fantasias, mas comportadas bermudas e camisetas para moças e rapazes. Lembrou-se de um amigo impedido de entrar no salão porque usava camiseta sem mangas!

            Também já não havia o perfume gelado do lança-perfume que tantas vezes sentira na nuca e nos ombros, nem os olhos atentos de pais, mães e diretores do clube para impedir que qualquer incidente prejudicasse a festa. Sim, era uma festa. Bem diferente de anos posteriores, quando o baile se transformara em uma porção de gente suada e com cheiro de álcool, gritando refrões grosseiros e fazendo brincadeiras desagradáveis e ofensivas.

            As cenas sucediam-se em sua memória. O declínio do Carnaval de salão, os poucos clubes que resistiam bravamente ao fim da festa até seu total desaparecimento. Nas ruas, só restavam o esmero das escolas de samba.   Sabia que a evolução está no DNA da humanidade. Mas a saudade também é parte da alma humana. Voltou a olhar com carinho para a bolsa de lantejoulas e, sorrindo, tirou um confete de dentro dela. A bolsa não iria mais para doação. Seria guardada em lugar de honra, na gaveta e no seu coração.