quinta-feira, 11 de setembro de 2025

João Vitor - 14 anos

 

               Meu “netinho” adolescente

 

Quando eu o vi, garboso, na pele de um personagem em uniforme militar, não podia acreditar que era você, João Vitor. A mamãe pesquisou na internet para compor o figurino que você usou e depois postou no grupo de WhatsApp da família sua cena em inglês, no teatro da escola – que, por sinal, ganhou em primeiro lugar – e você estava tão convincente no papel, tão adulto, que eu até me assustei: mas este é o meu netinho?!...

            Todo mundo sabe que avós olham para os netos, durante toda a vida, como seus pequeninos queridos. Comigo não é diferente. Sei que você cresceu, que está na adolescência, mas não consigo deixar de ver neste jovem que me abraça e que está completando 14 anos, o bebê, a criança sapeca, os primeiros dias de escola, o estudante às voltas com as lições e o garotão no meio dos muitos amigos.

            Suas atitudes, seus gestos já deixam transparecer como será o adulto. Mas os traços da meninice ainda perduram. E como seria bom se essa visão mais leve e alegre da vida o acompanhasse para sempre! Papai e mamãe dão-lhe a retaguarda para uma vida responsável, mas feliz. Há momentos bons e outros, nem tanto, e você consegue encontrar o caminho certo. O amor deles se manifesta na orientação e carinho do papai, na preocupação e nos abraços e beijos da mamãe e também nas broncas quando necessárias.

Esse alegre ambiente familiar é completado com as brincadeiras, provocações e abraços do Luiz Felipe. Tite é companheiro de todos os momentos, aquele irmão muito presente e, quando preciso, solidário. Vovós Ana, Paulo, Janne e Santiago têm sempre você e seu irmão no pensamento, acompanhando seu crescimento.

Você continua bem na escola, participando das muitas atividades, mas agora o ping-pong foi elevado ao status de tênis de mesa. Você se dedica a esse esporte na escola e no clube, ao qual vovós Janne e Santi são encarregados de levá-lo. Se deixarem, fica horas assistindo na TV a partidas de nomes famosos do tênis de mesa, prestando atenção nas dicas que eles dão.

Não perdeu o prazer de arrumar uma bonita mesa de refeições, mas também sabe ser prático. Um dia em que fui dormir em sua casa, me ajudou a arrumar a mesa do café da manhã, pegando louça e talheres com rapidez, comprovando que continua ligado nas coisas de casa. Depois, a caminho da escola, junto com o Tite, recolheu algumas flores de árvores, caídas no chão. Foi quando me lembrei de você pequeno, em São Paulo, também recolhendo flores do chão a caminho da escola. Escolhia as que ainda estavam bonitas e as dava para mim. Desta vez, não fui eu quem ganhou as florzinhas. Elas foram para dentro de sua mochila, talvez destinadas a uma colega em especial...

Você continua brincalhão e, quando se junta com vovô Paulo, provocando-o com alguns cutucões, dá muita risada porque vovô retruca, e ambos se divertem. Um dia, durante almoço na casa da vovó Janne, vovô Paulo estava tomando cerveja e você pediu batata frita. Vovô, para brincar, disse: “Batata engorda!” E você respondeu na hora: “E cerveja não engorda, não?!”

Há pouco tempo, veio almoçar na casa da vovó Ana, com mamãe e Tite. Você foi o primeiro a sair do elevador. Tite e mamãe vinham atrás, e todos falaram “Oi!”. Notei um tom mais grave no seu “Oi!” e pedi para que repetisse. Foi quando mamãe começou a rir e explicou: “Ele está mudando a voz!” Na hora de ir embora, dei “tchau” forçando a voz para um tom mais baixo e você ficou sem graça. Mas logo começou a rir junto com todos e na semana seguinte, quando chegou, não se esqueceu de dizer “Oi!” acentuando o grave, para fazer graça.

Mas é quando você faz questão de ser gentil que se revela mais seu amadurecimento. No aniversário do Tite, fomos todos comemorar no Hotel Fazenda Mazzaropi. Como você chegou antes, junto com mamãe, papai e o aniversariante, ficou esperando na entrada da recepção os vovós chegarem. E ajudou muito! Pegou minha mala mais pesada para levar para o chalé, entrou no quarto junto comigo e vovô Paulo para explicar como funcionava a TV, para regular o ar condicionado e mostrar onde ficavam objetos de apoio para os hóspedes. Depois foi no chalé dos vovós Janne e Santi e repetiu o mesmo ritual! Um gentleman!

Mas o gentleman dava lugar ao garoto, quando não sossegava querendo andar de bicicleta de dois lugares com vovó Janne. Você dirigindo, claro! Depois, até me convenceu a também andar com você na bicicleta. Na correnteza que serpenteia pelo parque, convenceu-me também e me ajudou a subir em uma boia. Depois, ia empurrando a boia na correnteza e perguntando: “Tudo bem, vovó?” Que delícia! Momentos inesquecíveis!

No boliche, ficou meio bravo no início porque não conseguia fazer muitos pontos. Mas logo pegou o jeito e até strike fez, o que o deixou todo prosa! A paixão pela fotografia aflorou na noite da Festa Junina, com quadrilha e fogos. Dançou a quadrilha com a família – foi par da vovó Janne – e juntou-se ao vovô Santi para fazer muitas fotos, inclusive com filtro. Deixou vovós Ana e Paulo mais bonitos e registrou belos momentos da noite.

Aliás, seu lado fotógrafo-cineasta revela-se nas mais variadas situações, como na Feira Literária – FliS, realizada pela Academia Santista de Letras, no Parque Balneário Hotel. Na ocasião, vovô Santi lançou novo livro de poemas, Dialogando com o Tempo, e você registrou, com muita sensibilidade, momentos preciosos, como vovô autografando exemplares dos livros, a família presente, os amigos e pessoas que adquiriram a obra.  

Sobre carros, você sabe tudo, e há poucos dias me explicou a diferença entre um motor aspirado e um motor turbo. Em detalhes!... No começo deste semestre, tanto insistiu que vovô Paulo trocou de carro, comprando o que você queria. Foram juntos ver o Virtus e pronto: vovô se decidiu por esse modelo. Na concessionária, você deu aula para os vendedores, explicando-lhes detalhes do carro que nem eles sabiam!...

Nas férias, viajou com a família para Paris e Londres, com passagens por Nice e Mônaco. Visitou os principais pontos turísticos das duas grandes capitais europeias, como o Louvre, Versalhes, Torre de Londres, faixa dos Beatles, sem esquecer a Disney de Paris. Relaxou na praia de Nice e adorou Mônaco, onde – claro! –  visitou o tradicional circuito de Fórmula 1.

Mas a viagem foi feita em um período em que Paris sofria com calor excessivo. Você é calorento e não gostou nem um pouco da temperatura da capital francesa. Quando finalmente chegou em Londres, desabafou no grupo de WhatsApp da família: “Finalmente, um clima decente!” Carregar a mala também não foi tarefa agradável. Quando via que tinha que pegar o trem para se deslocar, pensava na mala e um dia perguntou com muita espontaneidade: “E para esse lugar não tem Uber?!”

Esse é você, João Vitor. Muito jovem ainda, mas já conhecendo as alegrias e preocupações do amadurecimento. Brincalhão, amoroso, meio bravo em momentos não favoráveis, encantado com corridas virtuais de carros, cada vez melhor no aprendizado da língua inglesa... Esses são apenas registros de momentos do seu dia a dia, que inclui muitos outros interesses. Você sabe distribuir amor e é também muito amado. De minha parte, só posso reafirmar o profundo amor de avó, que há de acompanhá-lo por todos os caminhos que você trilhar, com garra, sabedoria e com a proteção dos Céus.  

 

 

           

              

domingo, 27 de abril de 2025

Luiz Felipe - 11 anos

 

      Minecraft, “dengo” e abacate

 

 E não é que você já está no 6º ano do Ensino Fundamental 2? Até ontem mesmo, quando eu ia buscar você na escola, ficava aguardando na porta que chamassem o meu netinho, misturado com as crianças dos primeiros anos, brincando e rindo no pátio enquanto esperavam a chegada dos responsáveis para pegá-las. Agora, do lado de fora, vejo você entre pré-adolescentes, vivendo a alegria própria da idade, mas já com postura diferente, parecendo dizer: “Olha, eu cresci!”

Luiz Felipe, seu aniversário de 11 anos chegou e parece que ainda não me acostumei com a ideia de que você cresceu. Aquele menino irrequieto, que para se deslocar de um cômodo para outro da casa preferia correr a andar, continua a criança alegre e pronta para “aprontar”, mas você está mais sossegado e olha as coisas e as situações sob um ponto de vista que nos prova que você realmente está crescendo.

Claro que você continua sendo, junto com seu irmão João Vitor, o grande amor da mamãe, do papai e dos vovós Ana, Paulo, Janne e Santiago. Continua mantendo o “dengo” com a mamãe e sente falta dela em algumas situações, como no acampamento deste ano, em que foi com a escola. O que não o impediu de participar de todas as brincadeiras e passeios, até andando sozinho de caiaque.

Na alimentação do dia a dia, fica feliz quando tem abacate na sobremesa e também continua fã da uva Vitória. Feijão não pode faltar, mas não dispensa um bife de frango grelhado ou à milanesa. Ah, e a paixão pelo Minecraft, pelo Lego e pelos aviões caça continua, assim como os desenhos inspirados em personagens que “copia” da internet e faz com muita habilidade. Na escola de desenho e pintura, aprende a técnica e demonstra criatividade, deixando vovós Janne e Santiago muito orgulhosos, não fossem ambos artistas plásticos!

Se tiver tempinho sobrando e a mamãe deixar, diverte-se jogando Minecraft no computador ou no celular e muitas vezes disputa com o João o privilégio de assistir ao que gosta na televisão. Recentemente, foi ver “Um Filme Minecraft” no cinema. Mamãe e João estavam junto e todos se divertiram com o programa. No esporte, você continua muito feliz, jogando e treinando futebol na escola e, com os amigos, na academia do shopping.

Uma tarde, vovós Ana e Paulo estavam tomando cafezinho em uma loja do shopping e não viram você passar junto com os amigos, rumo à arena de futebol. Mas você nos viu e veio todo alegre, com aquela carinha de sapeca, dar um beijo nos dois. Como o celular da vovó estava em cima da mesa, você já aproveitou, fez umas fotos nossas e foi juntar-se aos amigos. Tudo isso em cinco minutos! Quando percebemos, você já tinha ido embora!

 Sim, o futebol é sua “praia”, mas não o deixem no banco. Você vira “fera”, assim como em todas as vezes em que se sente injustiçado. Protesta e reivindica seus direitos! Como seu irmão se dedica ao tênis de mesa com afinco, está aprendendo bastante com ele sobre esse esporte. João dá dicas importantes e diz que está treinando você. Na verdade, vocês ficam contentes porque têm parceiro para jogar.

As aulas de bateria continuam ocupando espaço importante em suas atividades e, no encerramento de 2024, quando a escola de música se apresentou no Teatro Guarany, você voltou a fazer sucesso – como no ano passado – tocando com papai (especialmente convidado) no contrabaixo. João se apresentou na guitarra (com papai na bateria) e foi igualmente muito aplaudido.

No hotel fazenda onde fomos todos – você, papai, mamãe, João e os quatro vovós – comemorar seu aniversário, no ano passado, foi assistir a um show de banda de rock, no teatro do hotel. Ficou sentadinho ao lado do papai e da mamãe acompanhando atento as músicas e observando os intérpretes. Quando eu brinquei que a banda ia lhe pedir uma “canja” na bateria, você olhou para mim com aquele olhar de “só a vovó mesmo!”

Uma noite, no jantar no hotel, estava conversando algum assunto muito importante com o papai, sentado ao lado dele. Do prato do papai, que tinha ido buscar sopa no buffet, saía uma fumacinha, que você abanava com as mãos, sem que ninguém pedisse e sem interromper a conversa. Encerrado o assunto, você voltou a comer, em meio aos sorrisos de quem tinha observado a cena!

No escorregador da piscina, divertiu-se a valer, sozinho ou com a família. No fim do dia, estava exausto e se queixava de dor de cabeça. Mas quando alguém falou que estava faltando uma cadeira na mesa de refeições, não disse nada: levantou-se e foi buscar uma cadeira em outra mesa. Problema resolvido!.

 Depois do jantar e do show de rock, não quis ir dormir. O dia seguinte era o do aniversário e você queria receber os parabéns da mamãe, do papai e do João logo que desse meia-noite! No dia do aniversário, teve bolo e velinhas, em meio às brincadeiras dos animadores do hotel. Sua expressão era de pura alegria e o primeiro pedaço do bolo foi para o João Vitor. Que ficou todo orgulhoso!

Você é assim, Tite: alegre, carinhoso e decidido. Como quando, em meu aniversário, comemorado em sua casa, vendo-me brincar com o João sobre quem estava mais alto, não teve dúvidas: puxou uma cadeira, subiu nela e pediu para vovó Janne tirar uma foto; pronto, ficou mais alto do que todos!

Almoço em família na casa da vovó Ana. Você não quer sobremesa e eu, preocupada, vou atrás de você: “Você não quer nem um chocolatinho?” E você, com seu sorriso maroto, me mostra os papeis dos bombons que já havia ido buscar e comido. Em sua casa, eu chego e você está com os controles do “gameplay” na mão, jogando. Dá um problema em um deles e você: “Xiii!... Agora não posso mais jogar!”. Eu pergunto: “Tem conserto?” Você sorri: “Claro! Papai faz uma gambiarra e volta a funcionar!”

Nas férias de julho do ano passado, você foi viajar com a família para a região do Caribe, com direito até a furacão que chegou adiantado!   Você estava bem protegido no hotel, junto com mamãe, papai e João, e não se perturbou. Passado o furacão, aproveitou todos os passeios, mas nem é preciso dizer do que você gostou mais: o do autêntico barco pirata. E usando os acessórios de pirata!

Claro que tem sobremesas que você gosta e outras, que não. Entre as prediletas está o petit gâteau, que você amassa bem amassadinho no prato para comer feito um creme. Vovô Paulo é o primeiro a perguntar, no restaurante, se você quer petit gâteau. Você olha para ele com aquela expressão de “claro!” e nem precisa responder.

Em compensação, você não gosta de morango. Não come mesmo que insistam. Um dia, almoçando na casa da vovó Janne, mamãe brincou, escondendo um morango no meio do seu sorvete. Mas você achou o morango e se saiu com esta: “Eu não caio nessa, não!”  É rápido nas respostas, autêntico. Para mim, quando eu pedia ajuda a mamãe e papai para entender o funcionamento de um equipamento no carro novo, não teve dúvidas: “Mas, vovó, a mamãe já não tinha te ensinado isso?”

Às vezes as suas respostas são dadas com expressões faciais que dizem tudo. Como quando vovô Paulo, para arreliar, pergunta se você está namorando ou o que você quer de presente. Você olha para ele com aquela carinha de “para de perturbar!” e já vai mudando de assunto...

Assim, você, Luiz Felipe, o nosso Tite, chega aos 11 anos. É o nosso encantador netinho, que tem na mamãe e papai seu porto seguro. Mamãe não lhe deixa esquecer as obrigações de estudo, ajuda a controlar seus horários, leva você e seu irmão aos compromissos, dá bronca quando preciso, mas também muito amor e carinho. Papai sempre encontra um tempinho em meio aos compromissos profissionais, para conversar, explicar, orientar.

Sua convivência com os muitos amigos que fez é alegre, cheia de risos e brincadeiras. E com os vovós, é carinhoso, sabe conquistar nossos corações e é, junto com o João e os papais, nossa motivação na vida. Que você continue assim, Tite, trilhando seu caminho com determinação. Esta vovó Ana lhe deseja o que de melhor a vida pode lhe dar, sempre protegido, em suas lutas, pelo Poder Maior! 

           

 

 

 

terça-feira, 11 de março de 2025

Armando Sendin

                         Publicado na Tribuna Livre do jornal A Tribuna, em 11/03/2025 


                             O centenário de um artista                                             

 

Ele completaria 100 anos este mês. Nasceu no Rio de Janeiro, mas escolheu Santos para morar. A excelência de sua obra, expressa em múltiplos fazeres, transformou-o em um dos nomes mais respeitados em sua área de atividades, nacional e internacionalmente, projetando, em consequência, o nome de Santos no Brasil e exterior.

Pintor, ceramista, escultor e professor, Armando Moral Sendin dedicou-se ainda à escultura e gravura, revelando em suas obras, especialmente nos óleos, a busca pela beleza. São cenas permeadas por transparências e luz, muitas vezes em uma atmosfera de sonho criada pelo mar e sua espuma, que ele conheceu muito bem desde criança, quando veio com a família morar em nossa Cidade

O centenário de nascimento de Armando Sendin, no último dia 6, lembra uma vida inteiramente dedicada às várias expressões artísticas.  Foi considerado, na pintura, um precursor do realismo impressionista que se seguiu à Pop Art, com bem definidos traços de objetos e pessoas e interpretação muito pessoal.

Frequentou universidades europeias e sul-americanas, sempre em cursos voltados para a arte. Percorreu o mundo trabalhando ao lado de nomes consagrados e tem em seu extenso currículo importantes prêmios e mostras realizadas nas mais famosas galerias e espaços nacionais e internacionais.  

Nos anos 60, decidiu morar em Santos, Cidade de sua infância, junto com a esposa Sita, jovem artista que havia conhecido na Escola de Belas Artes de Barcelona. Aqui, buscou ainda mais a sua identidade artística, o que resultou em um expressivo e elogiado trabalho. Passou a dividir seu tempo entre Santos e Marbella, na Espanha, onde faleceu em 29 de julho de 2020.

Suas obras permanecem em exposição em museus e espaços nacionais e no exterior. Santos foi contemplada com ampla e importante parte do acervo pessoal do artista, que em 7 de outubro de 2014, oficializou a doação, à Pinacoteca Benedicto Calixto, de 127 quadros e 51 cerâmicas. Uma nova ala foi especialmente criada na Pinacoteca, denominada Espaço Armando Sendin, para a exposição permanente de obras do artista.

Um vídeo com informações sobre Armando Sendin e sua obra, produzido com recursos de IA, em português, espanhol e inglês, pelo produtor cultural da Pinacoteca, Fábio Luiz Salgado, faz parte das comemorações do centenário e já pode ser acessado no Youtube. Ainda este ano, a Pinacoteca prestará homenagem à data, tão relevante para a arte e cultura de Santos.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Carnaval 2025

          Publicada em 26/02/2025 na Tribuna Livre, jornal A Tribuna


                        A bolsa de lantejoulas

 

A pequena bolsa, delicada e colorida, bordada com miçangas e paetês, destacava-se no alto da pilha de roupas para doação. A senhora, ainda elegante e bonita nos seus quase 80 anos, aproximou-se e pegou-a com cuidado, examinando-a com carinho. Depois de longos minutos observando-a, abriu-a vagarosamente. O sorriso em seu rosto e um certo ar de surpresa denunciaram que tinha valido a pena voltar sua atenção para a bolsa.

            Sentou-se com a bolsa sobre os joelhos e, lentamente, as antigas marchinhas e sucessos de Carnaval tomaram conta de seus pensamentos, ressoando por sua mente como se bandas e orquestras ali estivessem. O som que só ela ouvia transportou-a para o salão do clube onde vivera tantos carnavais.

            Cantarolou baixinho os sucessos do século passado, deliciando-se com algumas obras-primas de criatividade, inspiradas em amores e personagens do Carnaval. A melodia era bonita, e havia também o som mais agitado e alegre, com críticas pertinentes aos problemas da época. As marchinhas convidavam quem estava fora a entrar no salão. No início, a grande maioria dos foliões usava fantasias, brilhantes e coloridas. E ainda se formavam cordões no salão, imitando os cordões de rua, com fantasiados, mascarados ou não, cantando e dançando uns atrás dos outros.

            A memória conduziu-a para alguns anos mais à frente e só nesse momento ela constatou como tudo havia mudado em poucos anos. Já quase não havia fantasias, mas comportadas bermudas e camisetas para moças e rapazes. Lembrou-se de um amigo impedido de entrar no salão porque usava camiseta sem mangas!

            Também já não havia o perfume gelado do lança-perfume que tantas vezes sentira na nuca e nos ombros, nem os olhos atentos de pais, mães e diretores do clube para impedir que qualquer incidente prejudicasse a festa. Sim, era uma festa. Bem diferente de anos posteriores, quando o baile se transformara em uma porção de gente suada e com cheiro de álcool, gritando refrões grosseiros e fazendo brincadeiras desagradáveis e ofensivas.

            As cenas sucediam-se em sua memória. O declínio do Carnaval de salão, os poucos clubes que resistiam bravamente ao fim da festa até seu total desaparecimento. Nas ruas, só restavam o esmero das escolas de samba.   Sabia que a evolução está no DNA da humanidade. Mas a saudade também é parte da alma humana. Voltou a olhar com carinho para a bolsa de lantejoulas e, sorrindo, tirou um confete de dentro dela. A bolsa não iria mais para doação. Seria guardada em lugar de honra, na gaveta e no seu coração.